OS BALÕES,
O MAU E O BOM JORNALISMO
(por Solange Galante)
Platinum Air. Fly Ways. SP Cargo Air. Brasmex. Latin
Air. Equatorial Linhas Aéreas. Vica Airlines. Air Minas. Connect Cargo. Essas
são algumas companhias aéreas com sede no Brasil que tentaram (ou não) se
estabelecer no mercado nos últimos anos e décadas. Tiveram vida curta ou
curtíssima, algumas delas nem chegaram a decolar pela primeira vez, ou fizeram
um ou dois voos de fato – fora os “de teste”, vazios. Pretendiam transportar
passageiros e/ou cargas. Alguns desses nomes nem saíram da gaveta de seus
idealizadores, por diversas razões.
Em jornalismo temos um jargão muito conhecido,
chamado “balão de ensaio”. Essa expressão caracteriza uma informação propositadamente
vazada a fim de se verificar, de antemão, possíveis efeitos de uma determinada medida
ou lançamento. É plantar uma informação.
Nas últimas semanas circulou pela internet uma notícia
sobre uma empresa aérea, supostamente com sede em Brasília (DF), preparando-se
para voar com turbo-hélices ATR. “Mais uma...” pensamos. Posso completar: “Mais
uma... enganação!” Ora, direis: No Brasil, sempre houveram empresas “de gaveta”,
desde priscas eras, ou que voaram por poucos anos, sendo depois extintas ou
absorvidas por empresas mais robustas. Por isso, até mesmo quando surgiu a Gol
muita gente torceu o nariz, e ela está aí, viva, mas é exceção. Poucos meses
antes da Gol voou a Nacional Transportes Aéreos, a verdadeira low costs low fares pioneira brasileira.
Que mal durou dois anos.
Debatendo o caso da outra empresa com um amigo da
área de aviação, ele me deu um exemplo do que pode ocorrer. Com um contador você abre uma empresa.
Ou várias. Ou 20 com sede em São Paulo e mais 16 com sede no Ceará. Algumas
delas, holdings. Nos ramos de transporte, tecnologia, até uma empresa aérea.
Vamos analisar essa empresa aérea “X”.
Você gasta uns 600 reais na Junta Comercial para
registrar a “X”. Depois, vai até a Anac e pede uma portaria jurídica. É uma
reserva de nome, apenas. Paga mais uma pequena taxa. Aí você já tem o documento
da Junta Comercial e o documento da Anac. Cria uma reserva de domínio, um site
bem baratinho, menos de R$ 40,00 ao ano, um email profissional começando por
rh@... Já é mais do que suficiente para
fazer um barulhinho na imprensa!
Notícia que corre como a chama no rastro de pólvora: pode ver que a maioria dos
sites repercute isso na base do "Ctrl C + Ctrl V", até os erros de português são
copiados! Ah, o mais importante: o capital social da empresa é de milhões de
reais. Que só no ano seguinte você terá que justificar para a Receita Federal. Enquanto isso, vamos brincar um pouco, pois os olhos de alguns investidores
mais animadinhos já estão crescendo...
A sua empresa “X” não tem ainda nem COA
(Certificado de Operador Aéreo) da Anac mas você já mandou criar um logo,
imprimir adesivos, pesquisa aluguel de uma sala num aeroporto, faz selfie nessa
sala com o logo da companhia e, talvez, até o superintendente do aeroporto, e a
foto corre o mundo como imóvel já registrado, e empresa prestes a decolar... Ah,
sim, claro: pega uma foto qualquer de empresa real do site Jetphotos, usa com
maestria o Photoshop (o logo da Star Alliance está ainda lá, "esqueci de apagar
mas, ninguém vai notar, afinal, é só uma artezinha") e diz que foi um presente
de um internauta, mas bem que pode virar realidade um dia, não é?
Quando a coisa começa a ficar séria mesmo, você desaparece. A desculpa pode ser o vírus, alguma crise econômica mundial,
concorrência desleal, espionagem industrial, burocracia , investidor que deu
pra trás etc. E quem acreditou fica chupando o dedo.
DA FICÇÃO
PARA A REALIDADE
Em pouco mais de um ano desde a criação de sua
primeira empresa, um dos sócios da nova empresa aérea e das outras 36 da
holding – as 20 em SP e as 16 no CE, supostamente existem – tem capital social
de 366 milhões de reais. Nada mal!
Enquanto isso, o mau jornalismo mordeu a isca e sai
por aí indiretamente incentivando
pessoas a mandarem currículo para a nova empresa (naquele email rh@ ) pois o
poder da frase “disponibiliza canal do Rh” é muito forte!
Como a coisa começou a ficar perigosa, diante da quantidade
enorme de profissionais de aviação afetados pela crise e e desesperados por
emprego, a página original desapareceu. Porém, o link ainda está lá (vide seta)...
E pior, muito PIOR, quem repercutiu, deu Ctrl C e Ctrl V , inclusive uma
escola de aviação, cita o mesmo site como sua fonte mas ainda não apagou!
Fonte: https://ceabbrasil.com.br/blog/oportunidade-de-emprego-nova-empresa-aerea-nasce-nella-linhas-aereas/
BOM
JORNALISMO
Por outro lado, outro site, com o qual não tenho
nenhuma relação, nem a intenção de puxar seu saco porque, inclusive, também já critiquei
reportagem dele aqui quando foi necessário, e assim continuarei fazendo quando for o caso, mas também reconheço quando fez o certo, como agora: não só não repercutiu o
provável balão de ensaio como publicou esse alerta, que serve para todos os
casos de novas empresas que andaram circulando na rede:
Como minha principal meta é prezar pelo BOM jornalismo, que tal verificar que isso é muito sério e não invenção da minha cabeça? E isso não vale só pra quem tem diploma, faculdade, etc...
Princípios Internacionais da Ética Profissional no Jornalismo
(...)
Princípio III — A Responsabilidade Social
do Jornalista
Informação
em jornalismo é compreendida como bem social e não como uma comodidade, o que
significa que os jornalistas não estão isentos de responsabilidade em relação à
informação transmitida e isso vale não só para aqueles que estão controlando a
mídia mas em última instância para o grande público, incluindo vários
interesses sociais. A responsabilidade social do jornalista requer que ele ou
ela agirão debaixo de todas as circunstâncias em conformidade com uma
consciência ética pessoal.
(...)
Emitido pela quarta
reunião consultiva de organizações internacionais e regionais de jornalistas
profissionais, que teve lugar em Praga e Paris em 1983 e a qual assistiram
representantes das seguintes organizações: Organização Internacional de
Jornalistas (IOJ), Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), União Católica
Internacional da Imprensa (UCIP), Federação Latino-Americana de Jornalistas
(FELAP), Federação Latino-Americana de Trabalhadores de Imprensa (FELATRAP),
Federação de Jornalistas Árabes (FAJ), União de Jornalistas Africanos (UJA),
Confederação de Jornalistas da ASEAN (CAJ).
Como eu vivo repetindo, quem escreve BEM é ESCRITOR; Jornalismo se faz
com RESPONSABILIDADE!
Parabéns pelo artigo! Creio que não é de seu conhecimento, mas não foi somente a escola citada que "alardeou" esse assunto. Pessoas com outros interesses também o fizeram e, o que já vem se tornando rotineiro, sem a mínima ética de verificar a veracidade do que estavam postando em grupos e páginas das redes sociais. Obrigada e parabéns!
ResponderExcluirObrigada! Lamentável, não é mesmo?
ExcluirMil parabéns pela clareza, e não deixar dúvida que em momentos de crise com este que a Aviação está passando, enviar CV com seus dados poderá ser utilizado por Estelionatários para abrirem contas , cartões de créditos, crediário é outros mais ... Lamentável essa gente ... Parabéns Solange ...
ResponderExcluirGrata! ;)
ExcluirAi delicia é ter que provar as 20 empresas em SP e as 16 no CE, a vou te dar uma ideia, lembrese que cada aviao que a empresa nacionalizar no Brasil vai em nome de uma Holding, falar ate papagaio fala né, vamos dar um papel e uma caneta para ver se escreve!!!
ResponderExcluirQue post necessário! Eu de imediato já achei muita coisa estranha. A identidade visual deles é um tanto grotesca. O nome da cia não demonstra nenhum conceito criativo. Sempre que eu ouvir alguém dizer "voei Nella" vou imediatamente associar com uma filhinha de papai metida a influencer. Essa imagem do projeto do avião me incomoda muito! Se eles tem dinheiro pra uma montar uma cia aérea, em 3 anos não pensaram em contratar uma equipe de desigers e projetistas? Uma empresa seria supostamente usaria essa mesma imagem criada por um internauta nas suas redes oficiais? O que não me desce também é o fato de terem imagens diretas do Google de aeronaves nos likedins dos envolvidos ao invés das suas próprias. Em detalhes da pra perceber o quanto tudo isso é duvidoso.
ResponderExcluirNão vejo mais esse site desde 2016 quando li a matéria falando sobre uma cooperativa que iria utilizar o DC8 que está no cemitério de GRU. Ali já vi que talvez não entendam tanto do assunto quanto parece.
ResponderExcluirÉ um direito seu achar isso. Aproveite para se atualizar! Tenho publicado muito desde 2016. Convido-o para ler o que publiquei em 2017, 2018, 2019 e 2020 até anteontem! Bons voos!
ExcluirPrezado Anônimo, respondo como Presdente da Brascoota ... Adquirimos o DC8 PP-BEL BETA Linhas Aéreas em Leilão judicial e pagamos corretamente . A Aeronave está com bloqueio no RAB devido ação da Beta no Supremo , acabamos nos tornado 3° de boa Fé, ainda estamos brigando judicialmente contra Anac e Justiça Federal ... Terceiro de Boa-fé Pessoa alheia à infração penal, proprietária de instrumentos utilizados na execução, ou que, sem malícia, adquire, recebe ou oculta produto de crime.
ExcluirParabéns pela matéria. Fazia tempo que não via uma reportagem tão lúcida assim.
ResponderExcluirVc tem algum outro canal para seguir?
Muito grata! Eu tenho página no Facebook como Solange Galante J. Abs
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