DESCULPEM-ME SE FRUSTREI VOCÊS...
(por Solange Galante)
No
dia 9 de agosto publiquei aqui no Blog meu texto sobre a LABACE 2024,
destacando esse evento aeronáutico anual que celebrou a pujança da aviação
executiva e geral brasileira. É uma feira de negócios onde todos nós da
comunidade da Aviação nos reencontramos, analisamos, compramos, vendemos e
coletamos informações para publicações, pesquisas e planejamentos do futuro
dessa indústria.
Mas eu tenho certeza de que no mesmo dia 9
meus leitores esperavam ler outra coisa aqui neste endereço: comentários sobre
o acidente voo 2283 da VoePass.
Nesses
meus quase 29 anos de jornalismo de Aviação eu cedo aprendi que essa é uma área
especial. Por mais veloz que a Aviação funcione, é preciso ter paciência
e ponderação. Mesmo sabendo que os acidentes aéreos são didáticos. Não se
aprende com o voo reto horizontal, nivelado, que precede um pouso seguro e será
seguido de nova(s) decolagem(ns) igualmente seguras.
Já
escrevi sobre acidentes aéreos passados – quando já eram um passado distante –
e a base disso é a troca de informações com quem entende mais do que a gente.
Estou sempre aprendendo com pilotos, engenheiros, escritores, comissários,
passageiros frequentes. E é ISSO, esse debate sobre hipóteses sólidas ou não
que nos ensina muito.
Mas
eu também aprendi o que não se deve fazer. Num mundo onde hoje, cada vez
mais, todo mundo se acha dono ou dona da verdade, porque também fotografa,
filma, entrevista, escreve e publica, e depois acha que é "jornalista",
atropela-se tudo em nome de "visibilidade". Sinônimos: engajamentos, curtidas,
likes, seja o nome que for. Nada contra! Mas totalmente contra a que custo
se busca os tais engajamento e visibilidade.
Jornalista
não é o cara, a fulana, toda essa gente que escreve bem, pontuação
corretíssima, filma em 4K, fotografa com equipamento top top top, e é ágil para
dar um "furo" mesmo em tempos em que "furo" está em
extinção, devido à velocidade da mídia digital. Em nome dessa geração
hiperconectada, as redes sociais – onde as risadas e o lucro só caem de fato
nos bolsos das Big Techs – disseminam fake news e também aquelas imagens
(em foto ou em vídeo) que o jornalismo sério passou a repudiar.
A
maior "visibilidade" não é coisa do século XXI, não. Jornais como o
Notícias Populares (1963-2001) ganharam apelidos como "se espremer, pinga
sangue" e não foi à toa. As manchetes, as fotos e os ângulos utilizados
para fotografar somavam-se ao "exagero mórbido", a palavra número 1
do "sensacionalismo" – cujo objetivo é sempre vender mais, atrair
mais, ser conhecido por todos, custe o que custasse.
O
sensacionalismo da imprensa de TV, por exemplo, considero que teve uma
fronteira bem nítida, bem definida com o acidente com o voo 402 da TAM em 1996.
Câmeras ao vivo transmitiram em primeiro
plano corpos carbonizados, com bocas abertas em agonia, braços erguidos e
assim calcinados, com suas mãos e dedos ansiando pelo socorro que não chegaria.
Acidente aéreo É notícia. O exagero desnecessário, não.
Antes
dessa fronteira, a foto do passageiro transformado em carbono negro já foi vista
através das janelas do Boeing acidentado em Paris em 1973 e as imagens filmadas
de pessoas se jogando dos edifícios Andraus e Joelma em chamas mostravam a
queda livre até o impacto com o solo – quando até descobrimos, a contragosto,
que o corpo humano também quica, como uma bola de basquete.
Notícia,
informa. Sensacionalismo gruda nossos olhos na tela, mas também pode embrulhar
nossos estômagos, nos tirar o sono, nos trazer uma depressão coletiva e até nos
causar dores nos ossos, replicando o infortúnio de vítimas indefesas.
O
jornalismo sério varreu de seus
manuais mostrar os entes carbonizados nas tragédias com fogo e as pessoas
caindo dos prédios rumo ao seu destino trágico no chão duro e frio – vide as
imagens do September Eleven, bem diferentes daquelas que citei aí em cima, de
trágicos Infernos na Torres.
Eu
escrevi jornalismo sério.
O que vem a ser isso?
O
jornalismo que se limita ao que é necessário noticiar. O exagero é outra coisa:
é o “circus romano” com lutas mortais dos gladiadores ou então é o circo onde
pessoas muito baixas, muito altas, muito peludas ou animais com cinco patas e
duas cabeças atraem grana, visibilidade, diversão! Afinal, mexem com a nossa emoção!
Raras
vezes me lembro de repórteres ou apresentadores chorando ao vivo. Geralmente,
ao noticiar a morte trágica e absolutamente inesperada daquele colega de
profissão. Quando até pedem, esses repórteres e jornalistas, um tempo, e se
ausentam da transmissão. Mas isso é exceção e demonstra quando somos humanos.
Porém,
há outro tipo de choro. Chorar copiosamente (ou mesmo forçosamente) quase
em simultâneo com o desastre, quando o calor da explosão ainda castiga os
bombeiros, quando os parentes das vítimas estão ainda em choque ou quando ainda
se evitam tomadas cinematográficas que possam mostrar as vítimas literalmente
torradas, nesse momento e dessa maneira
teatral não se trata de notícia, não é aula, não é explicação, não é
ensinamento, e não é minimamente
respeitoso.
A
EMOÇÃO é a cola mais poderosa para levar algo ao cérebro para sempre. Sejam
boas ou más emoções. Por isso, existem os atores e as atrizes. Quanto mais
emoções conseguem transmitir, melhor a novela, o filme, a peça, que farão
sucesso e ganharão aplausos da audiência.
No
entanto, notícias sobre tragédias, envolvendo uma, duas, cinco, vinte, sessenta
pessoas ou mais, não são novelas, nem filmes e nem peças teatrais. São vida
real com pessoas reais e um sofrimento inimaginável.
Se
antes era o Notícias Populares o primeiro a publicar uma foto (real ou
exageradamente retocada, ou mesmo inserida em novo contexto) para a emoção ajudar o jornal a vender mais –
o que durou décadas, e só parou de acontecer com a concorrência do “sangue na
TV” – agora busca-se ser o primeiro ou a primeira a aparecer com olhos
vermelhos (ou não) ou inundar nossas telonas e telinhas com o desespero alheio,
sempre com toneladas de emotividade trabalhada para ganhar audiência às custas
da morte.
São
técnicas de sensacionalismo ser o primeiro ou primeira a noticiar a morte dando
zoom no rosto da viúva ou do viúvo,
fazer perguntas seguidas para as fontes ficarem mais emotivas e desesperadas...
ou incorporar em si próprio toda essa emoção alheia para receber comentários de
que “ele ou ela é humano, tem coração, está compadecido”.
Na
verdade, foi tanta pressa para entrar ao vivo no ar que, mais do que “humano e
compadecido”, trata-se apenas de uma pessoa cheia de boletos para pagar, onde é
o engajamento que pode ajudar...custe o que custar, mesmo deitando e rolando sobre o luto alheio.
Portanto, não se engane: Jornalismo não é isso. Você pode até gostar de
melodrama baseado em tragédias reais mas aposto que as pessoas que hoje estão
machucadas, fatalmente feridas, destroçadas em seu luto particular ou coletivo,
não gostam de melodrama barato movido a curtidas.