segunda-feira, 1 de agosto de 2022

SPEECH

 QUEM NASCEU PRIMEIRO?

O AEROPORTO OU A VIZINHANÇA?

(Atualização em 08/08/22)

(por Solange Galante)

Eu nem deveria estar participando desse debate. Primeiro, porque o Aeroporto de Congonhas é um querido no meu coração. Digo que é meu segundo lar, e desde o início da década de 1980. Segundo, porque amo aviação há mais de 40 anos, defendo o respeito pela sua importância, embora eu também  observe onde possa ser melhorada, em especial no aspecto de infra-estrutura. Terceiro porque, com quase 27 anos de jornalismo de aviação (ininterruptos) eu coletei e ainda coleto vários FATOS que me levam a defender este e outros aeroportos, como o Campo de Marte, onde as reclamações contra sua existência cessaram um pouco, pelo menos até o próximo acidente (que, se Deus quiser, não aconteça mais!).

Antes dos FATOS, vamos ao ambiente onde eu me insiro.

Moro em edifícios residenciais desde os cinco aninhos de idade. Como diria Renato Russo," Já morei em tanta casa que nem me lembro mais", pois meu pai era zelador e morávamos no emrpego dele. Quase sempre em São Paulo, exceto três anos e meio na cidade de Praia Grande, no litoral paulista. Onde o barulho é predominantemente de turistas. A maioria deles, aliás, residindo em São Paulo (capital). Já morei em vários bairros aqui de Sampa, quais sejam: Jardim América, Jardim Paulista, Paraíso, Bela Vista, Campo Belo e até em Itaquera. Em cada um deles, São Paulo, a maior cidade da América do Sul, se fazia presente com: igreja tocando sino às seis da manhã, obras de diversos tipos a qualquer hora do dia e da noite (a prefeitura faz obras de madrugada), bares, butecos, restaurantes e casas de show que não sabem o que é Lei do Silêncio, geradores de energia de comércios, hospitais e escolas, e por aí vai. Em alguns casos, leis limitam esse barulheiro. Noutros casos, nem as leis. 

Por volta de 1982 eu morava num edifício no Paraíso – que, para mim, aliás, era um Paraíso! – onde, coincidentemente lá residia também Renato Arens. Ele era, simplesmente, o primeiro piloto a pousar no iniciante Aeroporto de Congonhas, então apenas um Campo de Aviação entre os vários então existentes em São Paulo, capital, em 1936, quando era aluno de pilotagem de Renato Pacheco Pedroso, famoso instrutor de voo da época. Lá onde morávamos residia o Sr. Renato Arens e, acima de nosso prédio, quando a pista em uso era a 34 (hoje, 35), vários aviões sempre passavam, e tenho fotos deles no céu, quais sejam: Boeing 727 das empresas Varig, Vasp, Cruzeiro e Transbrasil, os Boeing 737-200 das mesmas exceto da Transbrasil, e os Electra II da Varig.

Electra no céu...
(Foto: Solange Galante)

Quando a Cruzeiro recebeu seus primeiros Airbus A300B4 e a Transbrasil recebeu seus primeiros Boeing 767-200 que também operavam em Congonhas, a redução do barulho foi muito nítida, isso eu posso garantir, mesmo sem vê-los todos sabíamos que eram esses aviões mais modernos que estavam operando. De lá pra cá, a evolução dos motores a jato (erroneamente chamados de "turbinas"), não parou, em redução de barulho, em aumento da eficiência e potência e economia de combustível. Os aviões são construídos a partir da disponibilidade de motores que possam fazê-los voar.

Airbus da Cruzeiro em Congonhas
(Foto: Solange Galante)

Até agora, tudo o que escrevi foi antes de eu me profissionalizar como jornalista de aviação. A partir da profissionalização, comecei a pesquisar a história de Congonhas com profissionalismo, não só como entusiasta e apaixonada pela aviação. Primeiro, escrevi a "pré-história" de Congonhas, infelizmente, não tendo mais Renato Arens como fonte (ele faleceu antes) mas buscando muitas outras fontes em bibliotecas e conversando, por exemplo, com o Cmte. Abel Pereira Leite, piloto das décadas de 1930 e 1940 voando pela VASP, e historiador de aviação. Foram anos e anos de pesquisa, para abranger o antes de existir Congonhas, até a inauguração da linha São Paulo-Rio de Janeiro pela mesma VASP, em novembro de 1936.

O avião com que Renato Arens "inaugurou" o Campo de Aviação
que se tornaria Congonhas
(Coleção Solange Galante)

FATO UM: Congonhas, ainda apenas o Campo de Aviação construído pela S/A Auto-Estradas foi oficialmente inaugurado em 12 de abril de 1936 e adquirido pelo Governo de São Paulo para ser seu principal aeroporto, em substituição ao Campo de Marte, que sofria enchentes causadas pelo Rio Tietê. E era o melhor local para ser o aeroporto da cidade, tanto que depois foram extintos outros campos de aviação da época, como os do Brooklin, Ibirapuera – que chegou a ser defendido como local do futuro aeroporto do município – Indianópolis (Escola de Aviação Curtiss), Campo do Guapira (no atual Parque Edu Chaves), aeródromo do Ypiranga e Prado da Mooca, entre os mais conhecidos. Pois bem: muito já se falou que praticamente nada existia onde Congonhas foi construído. Bem, existia, mas muito pouco, realmente. E depois logo foram se aproximando os munícipes, atraídos, certamente, pela infra-estrutura que um aeroporto exigia: luz, água, pavimentação, comércio etc. Mas, parece, naquela época aviões não incomodavam tanto, embora menos seguros que os atuais e, para quem estava bem perto do aeroporto, eram bem barulhentos também.

Vejo o exemplo da Sra. Lygia Horta, que fiz questão de conhecer pessoalmente anos atrás. Ela se tornou presidente da Associação dos Amigos de Moema, bairro onde fica o Shopping Ibirapuera, a Avenida Ibirapuera e outras atrações que chegaram lá... após o aeroporto!  Interessante é que Lygia era filha de um funcionário da então Secretaria de Viação e Obras da cidade de São Paulo e, quando criança, acompanhou as obras de construção do aeroporto, lembrava das carroças tracionadas por mulas que transportavam terra para a terraplanagem do mesmo, e assim por diante. Lygia dizia que havia se mudado para Moema em 1954 – o aeroporto havia sido inaugurado 18 anos antes.

As carroças puxadas por mulas das quais Lygia se recordava
(Foto: Coleção Lygia Horta)

Falando da Lygia, um texto da Folha de S.Paulo de 19 de março de 2003 e cujo autor era Gilberto Dimenstein, narra:

"Foi a própria Lygia que, incomodada com o sumiço daquele ar provinciano e aconchegante do bairro, liderou a criação da Associação dos Moradores de Moema. Prédios e lojas não paravam de surgir, trazendo congestionamentos. Os aviões a jato, que provocam poluição e barulho, transformaram-se numa das principais fontes de incômodo para os moradores do bairro. A guerra deles é, em especial, contra as aeronaves de modelos mais antigos, que não possuem redutor de ruído.

Mas a batalha de Lygia vai mais longe: ela gostaria de ver proibido o uso de Congonhas pelos jatinhos particulares e sugere para isso o Campo de Marte, em Santana - área que, frequentemente, sofre alagamentos."

Pois é... "Guerra contra as aeronaves de modelos mais antigos". Lygia, que reclamava disso em 2003 teria experimentado também o ruído dos BAC 1-11, Caravelle, Constellation, DC-6 etc. Como comentou no Facebook o paulista residente em Curitiba, Christian Chriscolo Saavedra "Esses mimizentos deviam pensar nisso quando compraram suas moradias... com certeza o aeroporto já estava lá. Outra coisa... deviam agradecer por não existir mais mais 727, 737-200, BAC 1-11 e por ai vai...."

Boeing 727-100 da Varig no céu...
(Foto: Solange Galante)

Lygia, em 1996, após o acidente com o Fokker 100 da TAM na região do Jabaquara – lado oposto a Moema – chegou a liderar um protesto pedindo o fechamento do aeroporto de Congonhas. Hoje, às vésperas do leilão que irá licitar o aeroporto à iniciativa privada, reclamam da mudança de rota dos aviões, passando supostamente por cima de bairros onde antes não passavam... E tentam adiar o leilão, marcado para agosto, alegando que irá aumentar a quantidade de voos no aeroporto – já anunciada pela Infraero – e, consequentemente, o barulho.

FATO DOIS: O que justifica as rotas usadas por aeronaves que decolam de ou pousam em um aeroporto são, em primeiro lugar, a segurança de voo e o aspecto econômico – menor gasto em combustível (consequentemente menor poluição também) e rotas mais diretas, que também contribuem com a segurança. No caso em particular de Congonhas, evita-se conflito de tráfegos, inclusive com outros aeroportos como Campo de Marte e Aeroporto de Guarulhos, além das dezenas de helicópteros, diariamente voando pela região.

FATO TRÊS: Falei em segurança de voo. Mais segurança, menos comodidade. Isso até síndico de condomínio sabe: ninguém gosta de ter dois portões diante de seu prédio, ou de ter que dar  número de sua identidade para entrar num prédio onde assim se exija, muito menos gosta de descer para pegar a pizza para o entregador não subir até seu apê. Nem gosta de se submeter àlgumas regras para se adequar às vistorias do Corpo de Bombeiros. Mas se o DECEA – Departamento de Controle do Espaço Aéreo – regulamentou mudanças, a segurança é, com certeza, um dos princípios básicos.

FATO QUATRO: Quando Congonhas não operava por sistema de pouso por precisão, o ILS, para pousos na pista 35, a pista 17 era a mais usada. Aí os aviões apenas pousavam passando por cima de Moema. E, para pousar, reduzem os motores – e o barulho. Com a intensificação das decolagens da cabeceira de pista oposta, com decolagem sentido Moema, aí sim os moradores desse bairro praticamente se lembraram que existe o aeroporto e seus aviões, pois eles decolavam a plena potência em sua direção.

FATO CINCO: As reclamações contra Congonhas e seu tráfego partem principalmente, desde décadas atrás, de moradores justamente de Moema, Campo Belo e Ibirapuera – bairros de classe média ou média/alta. Fora da época do acidente com o Fokker da TAM (1996) nunca mais ouvi ou li sobre reclamações dos moradores da região do Jabaquara, de classes mais modestas. E os aviões também passam por sobre suas cabeça, já que, mesmo com ILS, a pista 35 continua sendo menos utilizada que a 17, por questão de ventos predominantes. Ou seja: os moradores de Jabaquara têm mais motivos para reclamar da frequência de barulho de avões decolando do que os de Moema. Mas no Jabaquara há menos prédios, mais casas e, aparentemente, menos mimimi. E Moema têm muitas avenidas movimentadíssimas, tem vida noturna em restaurantes e bares etc. Mais adiante, a Av dos Bandeirantes, antes de existir o Rodoanel Mário Covas, embora ele esteja ainda incompleto, era um dos locais mais barulhentos da cidade, com a enorme quantidade de caminhões e carretas circulando. O barulho chegava a abafar (sim, abafar) o ruído de alguns aviões. Mas ninguém pediu para fecharem a avenida por conta disso, antes, durante ou depois de surgir a ideia do Rodoanel.  Se algum morador de Moema sair de casa de carro mas sem ligar o som e deixar a janela aberta enquanto dirige, sentirá nos ouvidos e no nariz a poluição sonora e respiratória da Av. Ibirapuera nos seus horários de pico. E torcendo para o trânsito andar para não perder seu próximo voo embarcando em... Congonhas! (Se a Da. Lygia tivesse conseguido fechar Congonhas, esse morador de Moema estaria indo pegar seu voo apenas em Guaulhos...).

A propósito, será que os moradores de Moema considerariam os de Jabaquara "diferenciados" assim como os de Higienópolis chamavam os de fora de seu bairro, para justificarem a mudança de uma das estações de metrô da linha laranja em construção? (No caso, eu sou uma dessas futuras usuárias "diferenciadas" do metrô.)

FATO SEIS: O desconhecimento de como funciona a aviação é nítido. Como já escrevi, se o DECEA alterou rotas, tem motivos, e motivos fortes. O desconhecimento fica explícito neste trecho de reportagem de O Estado de S.Paulo: "(um morador)...observou mais aviões passando por perto do Parque Ibirapuera do que antes. 'Imaginei que poderia ser por conta de alguma obra no aeroporto, mas os voos não pararam nos dias seguintes' (...)" (o negrito foi meu; o fato é que obras "no aeroporto" não intensificam ou mudam rotas de aeronaves na decolagem.)

Voltando ao ambiente onde eu me insiro: Moro numa avenida que é alternativa ao Corredor Norte-Sul, portanto, mega movimentada (e barulhenta). Em acréscimo, por ser perto da Av. Paulista, helicópteros passam o dia todo por aqui. E os aviões de Congonhas quando a pista em uso é a 35. Mas nada incomoda mais que os butecos à frente do prédio e as obras de construção civil – mal acaba uma, começa outra. Como falei anteriormente, se eu for contabilizar sinos de igrejas, feiras livres, casas de show, trens e metrôs, comércio popular etc – tudo isso, muitas vezes, mais barulhento justamente na hora em que Congonhas está fechados (das 23 até às 6 horas), não tem nenhum lugar sossegado de fato em São Paulo. Ou, se tiver, lhe falta infraestrutura, comércio, escolas, saneamento básico, transporte etc. Pois, em parte, se Moema, Campo Belo, Ibirapuera etc são o que são, em parte, isso se deve a seus moradores (desde seus avós e pais) terem se instalado lá atraídos pelos equipamentos urbanos em torno de um aeroporto.  

FATO SETE: mas isso não acontece apenas em São Paulo. O adensamento urbano em guerra com um aeroporto – atraídos pelas vantagens, reclamando das desvantagens – está até na pacata cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo. Apenas a título de exemplo.

FATO OITO: Anos atrás, quando um grande heliporto estava sendo construído em Osasco, uma rede de TV reclamou que o tráfego intenso de helicópteros iria prejudicar as gravações dentro de seus estúdios. Para dar mais força à sua reclamação, a mesma TV  fez reportagens com moradores do entorno do heliporto instigando-os a se tornarem inimigos do empreendimento, passando sua própria reclamação para a boca deles para justificar o processo que abriu contra os donos do heliporto. Não deu certo, o heliporto foi inaugurado, continua funcionando e a TV mantém seu estúdio no mesmo lugar, próximo ao empreendimento aeroportuário.

(Foto: Blacklist Lounge Bar)

MORAL DA HISTÓRIA

Sim, como se diz por aí, nem 8 nem 80 ou, literalmente, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. os moradores dos lados de Moema e Campo Belo – já que os do lado do Jabaquara eu nunca vi na TV fazendo tanto alarde – devem se adaptar porque, assim como o Campo de Marte, Congonhas não será fechado, o tráfego aéreo, acreditem, vai sempre se adaptar da melhor forma para a segurança de todos e, sim, considerando também o menor impacto ambiental.

Lembrem-se, aeroporto traz progresso, senão seus vovôs e vovós não teriam se aproximado do aeroporto para morar e trabalhar.

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ATUALIZAÇÃO:

(FONTE: TNONLINE)

Justiça nega liminar de moradores para adiar leilão de concessão de Congonhas

Texto completo:

https://tnonline.uol.com.br/noticias/cotidiano/justica-nega-liminar-de-moradores-para-adiar-leilao-de-concessao-de-congonhas-670227?d=1


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