quarta-feira, 26 de maio de 2021

ENTREVISTA ESPECIAL

 

 



Com entrevista EXCLUSIVA: 
DOMÍCIO ANGELO DA FONSECA 


Arquivo pessoal

Ex-Flight Engineer de Boeings  

(707, 727 e 747) da empresa


(por Solange Galante)


A história “rasa” da aviação (sem pesquisa, sem investigação, sem profundidade) registra que a também gloriosa e saudosa VARIG teria sido a única empresa aérea brasileira a operar o icônico Boeing 747, apelidado de Jumbo. Por exemplo, foi o que o site Aeroflap publicou no último dia 7 de maio:

"A primeira e a única companhia aérea brasileira a operar o Boeing 747, a Varig se ainda estivesse operando estaria completando hoje (07) 94 anos de vida."

Podemos dizer que a Transbrasil nunca operou uma aeronave desse modelo com suas próprias cores. Mas várias empresas operaram aeronaves, de modelos inéditos ou não, com as cores das proprietárias das aeronaves que arrendou ou alugou. Lufthansa, Futura, Euroatlantic, Britannia, Transavia, Nigeria Airways foram algumas delas que tiveram suas cores viajando nos céus brasileiros com o nome de nossas companhias (Vasp, Varig, Transbrasil, em especial) adesivado nos aviões ou não. Da mesma maneira, dizer que uma empresa nunca operou determinado modelo de aeronave porque "não era dela" também é incorreto, pois, inclusive, há décadas a maioria das empresas aéreas do mundo operam aeronaves de empresas de leasing, de propriedade de bancos ou de outras companhias. Não fosse assim, a Varig, muito maior que a Vasp, por exemplo, teria deixado em nossos aeroportos muito mais aeronaves de sua propriedade sucateadas do que a empresa paulista.

A entrevista mais abaixo  provará que a afirmação acima, de que a Varig teria sido a "única" brasileira a operar o 747 foi uma fake news. A Varig não precisa desse tipo de “homenagem”.

E O ÚNICO 747 QUE RECEBEU AS CORES DA EMPRESA ... NÃO FOI OPERADO POR ELA!


Muitos já viram algumas raras fotos do Boeing 747-100 N472EV da companhia norte-americana Evergreen repousando em Marana (Arizona) com uma cauda muito semelhante a da companhia Interbrasil Star, regional da Transbrasil. 

As fotos foram reproduzidas em reportagens de revistas, em sites especializados na internet e em livros, com comentários semelhantes a este:  

"A Aerobrasil também negociou o arrendamento de uma aeronave Boeing 747SR-46 junto à companhia norte-americana Evergreen. O negócio não foi finalizado e o jato nunca chegou a ser entregue para a empresa, apesar de ter recebido uma pintura especial, lembrando as cores da Interbrasil Star, regional pertencente à Transbrasil, e a matrícula PT-TDE (ex-N478EV)."

(Fonte: Passageiro de Primeira reproduzindo matéria da revista Flap Internacional)

No entanto, o que nem todo mundo sabe é que uma das empresas mais queridas do Brasil em todos os tempos operou sim o “Jumbo”.  Há sites que lembram disso, com pequenos registros, como o exemplo abaixo:

“Em 1996 a empresa (AeroBrasil Cargo) chegou a utilizar um Boeing 747 da Evergreen.” (site aviacaocomercial.net)

Gianfranco “Panda” Beting, em seu livro "Tango Bravo Alfa" registra com mais detalhes isso.

Portanto, embora não tivesse recebido a aeronave em Marana, durante pouco mais de um ano a divisão cargueira Aerobrasil fez algumas centenas de voos com aeronaves da empresa norte-americana Evergreen com tripulação quase sempre totalmente brasileira, da própria Transbrasil. Se as aeronaves não receberam o nome Transbrasil ou mesmo AeroBrasil na fuselagem, suas tripulações o tinham no peito com suas "asinhas" da Transbrasil e por ela eram remunerados, provando que a companhia brasileira também voou o então maior modelo de avião cargueiro e civil ocidental.

Sabendo disso, cheguei até Domício Angelo da Fonseca, 58 anos, um dos engenheiros de voo que trabalharam nessas fantásticas aeronaves. Antes de  voar na Transbrasil ele já tinha passado pela Varig, desde 1982, trabalhando na manutenção dos Electra e Boeings 727 e 737. Depois de sair da Transbrasil ainda voou no DC-10 da cargueira MTA e, hoje, trabalha na Embraer dando treinamento a pilotos no ground school do KC390. Infelizmente, ele disse que não conseguiu guardar fotos daqueles tempos, lembrando que não existiam câmeras digitais e nem smartphones, o que dificultava o registro por parte de fotógrafos amadores. Porém, fotos exclusivas de suas lembranças de seus voo no Jumbo ilustram essa matéria. Acompanhe!

CAIXA PRETA: Em que período você trabalhou na Transbrasil e com qual cargo?

Domício Ângelo da Fonseca:  Eu trabalhei na Transbrasil de 1986 a 1998. Comecei como técnico de manutenção e depois F/E.

CP: Já tinha essa função quando a empresa operou o Jumbo?

Domício: Sim, eu já era F/E no Boeing  707. 

Coleção pessoal Domício Fonseca



CP: Em que período essa aeronave voou pela empresa? 

Domício: Esses voos começaram no início de 1996 e finalizaram em fevereiro de 1997.

Acima: exemplo de voos como tripulante extra (no PP-TAE/Boeing 767 da Transbrasil) e operacional nos aviões da Evergreen (identificados como NEV). Coleção pessoal. 




Acima: Landing, Takeoff Data e Cruise Data de alguns voos que Domício realizou.  

CP: Como soube que a empresa iria operar essa aeronave e quanto tempo tiveram de treinamento?

Domício: Quando estávamos ainda no Boeing 707 nos comunicaram que a Transbrasil iria fazer o arrendamento de um Boeing 747. O treinamento nos incluiu e nós tripulantes da Transbrasil tiramos a habilitação do FAA em Ft Lauderdale (Flórida) para voar a aeronave com matrícula americana, depois o treinamento teórico no Oregon e, depois, o treinamento em simulador de voo em Denver. Isso teve a duração aproximadamente de cinco meses.


CP: A tripulação no 747 sempre foi da Transbrasil, portanto, tratava-se de um "dry lease"?

Domício: Sim, chegamos a voar a aeronave somente com tripulantes brasileiros.

CP: Quais foram algumas das rotas realizadas e qual a carga predominante? Pela necessidade de uma aeronave tão grande, acredito que eram cargas de grande volume, correto? Você se lembra o número do(s) voo(s)?

Domício: A rota normalmente era GRU-MAO-MIA-JFK (Ou seja, Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP)-Aeroporto Internacional Eduardo Gomes (Manaus)- Aeroporto Internacional de Miami (EUA)-Aeroporto Internacional de Nova York (EUA). Eram cargas de grande volume.  Nos voos nacionais que eram GRU-MAO-GRU os números eram 800/801 ou 802/803. Nos voos internacionais MAO-MIA-JFK os números eram 950/951. Normalmente, era um voo diário GRU-MAO-GRU e nos finais de semana subíamos pra MIA-JFK.

Acima: Manuais do Boeing 747 da Evergreen estão entre as lembranças de Domício. 

CP: Por quanto tempo você trabalhou no 747 arrendado?

Domício: Incluindo treinamento e voo, foram aproximadamente um ano e cinco meses.

 

CP: O 747 era de que modelo? Era apenas uma aeronave, sempre a mesma?

Domício: Durante o tempo em que estivemos operando o 747 a Evergreen só tinha Boeing 747-100 e Boeing 747-200. Todos os finais de semana os aviões da Evergreen subiam pra JFK para fazer manutenção e na maioria das vezes eles trocavam a aeronave (isso estava no contrato). Eram 13 no total. Praticamente, voamos todos os 747 da frota da Evergreen.

CP:  Por outro lado, um 747-100 recebeu a pintura da Interbrasil Star mas nunca voou pela empresa, correto? 

Domício: Sim,  esse avião chegou a estar pintado em Marana-EUA e sua matrícula original era N472EV. Curiosamente, foi o único que nunca voamos!

CP: Segundo o livro do Gianfranco “Panda" Beting, a AeroBrasil encerrou as operações em fevereiro de 1997. Coincidiu, então, com o fim do contrato com a Evergreen?

Domício: Sim. Foi isso mesmo. O 707 já tinha parado, estava o 747 arrendado voando a carga e quando o 747 parou a aviação cargueira da TBA acabou. A partir daí eram utilizados os porões de carga dos 767 passageiros. Eu fiz parte da tripulação do último voo dessa aeronave (o Jumbo) aqui no Brasil. Esse voo foi MAO-GRU no dia cinco de fevereiro de 1997 com uma carga de 70 toneladas de Jet Skis.

CP: Você consegue resumir como era trabalhar com o Boeing 747?

Domício: Como experiência própria, eu entendo que o tripulante que passa a operar o Boeing 747  sente que chegou ao ápice da sua carreira na aviação, por esta aeronave ser um ícone, um clássico entre todas as outras.

Um avião de design diferenciado, lindo, enorme e ao mesmo tempo fácil e suave de operar! Eu sentia um misto de satisfação e orgulho por operar essa máquina maravilhosa.

Enfim, era como se passasse um filme na minha cabeça, desde o meu início de carreira na aviação até ocupar um assento no cockpit do Jumbo! Um sonho realizado!


4 comentários:

  1. Parabéns Solange, justiça feita ...A verdade é que a Transbrasil também operou o 747 Cargueiro.
    Sua Matéria foi agigantada com a entrevista do excelente profissional, o "Fonseca", um Aeronauta Diferenciado no Mercado da aviação, excelente em tudo . Novamente, Parabéns Solange.

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  2. Grata. Jornalismo se faz com pesquisa e pautas que fogem da "mesmice", não é mesmo? Abs!

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  3. Excelente matéria Solange! A Transbrasil foi uma excelente empresa para se trabalhar - o respeito era parte de sua filosofia operacional, sem contar com o espírito de grupo.
    Ao mesmo tempo, você foi muito feliz em entrevistar o Fonseca, um grande profissional e colega.
    Saudações

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    1. Era minha empresa predileta, João. Tenho muitas saudades dela, mesmo sem nela trabalhar. E vejo que todos vocês que trabalharam na Transbrasil foram muito felizes! Abs!

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