segunda-feira, 30 de março de 2020

SPEECH


AGUARDANDO O "DAY AFTER"


Reprodução - flightradar24.com

(por: Solange Galante)


De repente, o que parecia um problema restrito à longínqua (para nós) Ásia ganhou um volume tal que penetrou, feito um gás tóxico, em todos os cantos do mundo, obrigando pessoas a se refugiarem em suas casas, sem saber o dia de amanhã.

Como elemento fundamental da globalização, assim como as telecomunicações, a mesma aviação que espalhou o Covid-19 por todos os continentes na velocidade do jato é uma de suas primeiras vítimas. Todos sabemos o quão sensível é a indústria das viagens comerciais, e como tem margens de lucro imensamente pequenas, e custos elevadíssimos.  Fronteiras foram fechadas, companhias aéreas pararam por falta de passageiros, os voos que foram mantidos tiveram que ganhar regras novas, buscando a segurança sanitária tanto quanto a sempre perseguida segurança de voo.

A aviação comercial mal tinha superado a crise de 1999 quando o 11 de setembro de 2001 caiu sobre ela feito o meteoro da extinção dos dinossauros. O resultado foram falências – inclusive no Brasil, tornando nossas três principais companhias clássicas apenas passado – e uma onda simultânea de fusões jamais antes vista. Seguiu-se a crise de 2008, e nem as companhias "low costs", filhas da necessidade urgente de cortar custos, conseguiram tocar os planos iniciais, necessitando adaptá-los, sem demora, a novos tempos, novas exigências e legislações. Por exemplo: a brasileira Gol Linhas Aéreas queria prescindir dos agentes de viagens para venda de passagens e do fornecimento de lanches a bordo – não conseguiu, teve que se adaptar aos agentes e à fome dos passageiros. Depois, tendo surgido a Azul Linhas Aéreas, conhecemos uma autêntica Low Costs com High Fares. Era óbvio que um país como o Brasil, centralizado no sudeste, não conseguiria espalhar hubs em todo seu território, de norte a sul, de leste a oeste, como nos Estados Unidos.

Mas, de trupicão em trupicão, íamos voando e a quantidade de passageiros só crescia, tanto nos voos nacionais quanto nos internacionais (Segundo a ANAC, foram 104,4 milhões de passageiros pagos em 2019, no total, 1,35% a mais que em 2018). A maior crise da atualidade, e em âmbito mundial, parecia ser mesmo a da Boeing, com uma enxaqueca chamada MAX, Boeing 737 MAX.

Entramos em 2020. Ainda prendíamos a respiração diante do terrível assassinato de 176 pessoas do Boeing 737-800 da Ukraine International que foi abatido por mísseis após a ação anti-terrorista dos Estados Unidos contra o Irã e, de repente, o novo corona vírus, até então ainda não batizado como Covid-19, ganhou asas e resolveu ir "trabalhar" no ocidente. E ele partiu da China de avião.

Como um efeito cascata a globalização mostrou seu lado mais negro, um misto de perigo sanitário real e pânico de manada, ceifando não só vidas, mas economias.

Vivemos simplesmente uma guerra, desta vez, contra um inimigo invisível para o qual ainda não termos arma definitiva, só cuidados paliativos visando evitar a transmissão. Os menos resistentes são os nossos queridos idosos. Quem diria: há anos o mundo inteiro se preocupava com uma boa notícia: estamos vivendo mais, passando cada vez mais facilmente dos cem anos de idade, e com disposição até para iniciar atividades físicas moderadas após os 60, 70, 80. Graças à ciência, à qualidade de vida e nossa própria auto-estima e auto-valorização temos mais saúde até idades avançadas.O que preocupava, entretanto, era ter dinheiro o suficiente para pagar as aposentadorias dessa  multidão anciã. Pois, numa pirâmide invertida, a maior parte da população passava a ter mais idade, e menos jovens nasciam para, com seu trabalho futuro, suportar as previdências sociais.

De repente, o que vemos? Uma faxina etária, levando principalmente milhares de idosos para tristes funerais rápidos e sem velório, com cremação. No nosso futuro Day After, ainda sem previsão de se iniciar, o primeiro ponto a considerar será o rejuvenescimento da população mundial. Com os idosos, vão-se os conhecimentos da era analógica. Nossos jovens já nascem 100% digitais, iniciando projetos, novos conhecimentos e comportamento praticamente do zero. São eles que vão ditar as próximas décadas.

Vários movimentos empresariais estavam em curso quando o vírus  coroado surgiu. O mais conhecido no Brasil, a compra, pela Boeing, do segmento de aviação comercial da Embraer. Para competir com a Airbus, agora fabricante dos então novos aviões regionais da Bombardier, renomeados Airbus A220. Só que, como já escrevi aqui, a Boeing vive, há mais de um ano, a "enxaqueca MAX", que detonou muito não só sua lucratividade como também sua credibilidade.

Falei em Airbus: contrariando planos otimistas do passado, a gigante europeia antecipará para 2021 o fim da produção do gigante A380. Sua principal cliente para esse modelo, a Emirates Airline, dos Emirados Árabes Unidos, em consequência ao Covid-19, reteve no chão a maioria  de todos seus voos a partir de 25 de março. Ela ainda tinha pra receber cerca de 14 A380, fora modelos  A330-900 e A350-900. Mas tudo pode mudar, depois que a crise do novo Corona vírus passar.

Atingindo diretamente a América Latina, a Delta Airlines adquiriru 20% da Latam, o que significou imediatamente três coisas: a empresa norte-americana trocou a Gol pela Latam (inclusive a Latam Brasil, ex-TAM) e esta última, além de ter trocado sua parceria com a American Airlines pela Delta anunciou também sua saída da aliança OneWorld, o que deveria levar cerca de um ano, para depois, com certeza, entrar na Skyteam, onde já está a Delta.

Agora, com o impacto que o Covid-19 causará globalmente, seguirão adiante esses negócios?

Terrivelmente impactada pelo novo corona vírus, a Europa conseguirá manter grande grupos como o Air France-KLM, Lufthansa-Swiss, IAG (British Airways-Iberia) coesos? Donde se presume que novas fusões poderão acontecer.

O conhecido FlightRadar24 revelou  que o número de voos comerciais caiu 55% na última semana de março, se comparado ao mesmo período do ano anterior. O portal revelou que o número total de voos, em março de 2019, era de 176 mil. Um ano depois, o panorama está completamente diferente, com apenas 145 mil voos diários (queda repentina de  31 mil voos por dia). E ainda diminuindo, claro...

E no Brasil? Após a falência da Avianca Brasil, qual será o futuro da Latam Brasil, Gol e Azul, sem contar na regional VoePass, outrora Passaredo, recém compradora da MAP? E as concessionárias de aeroportos endividadas, como a Aeroportos Brasil, que quer "devolver" Viracopos ao Governo Federal ou a Inframérica, pioneria das concessões, que quer fazer o mesmo com o aeroporto de Natal?

Na esteira disso tudo, como fica o mercado de pilotos, comissários de voo e mecânicos em todo o mundo? E a formação desse pessoal?

Considerando que o mundo não vai acabar, "apenas" se modificar muito (e bota muito nisso), em breve teremos uma demanda reprimida que necessitará (ainda, ou até mais) voar para reerguer as economias, criando oportunidades para novos negócios. Sempre foi assim, será assim. Graças a crises anteriores (só citando as mais recentes) surgiram tanto as Low Costs carriers quanto os jatos executivos "single pilots", antes chamados de VLJ (Very Light Jets). E eram crises pequenas, comparadas à atual. Aguardemos os próximos capítulos da série!

Continuaremos acompanhando esse movimento todo!


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