CONCORRÊNCIA NO LUGAR DE PARCERIA, PASSAGENS CARAS,
CANCELAMENTOS SEM INFORMAÇÕES CLARAS.
São as broncas dos agentes
de viagens em relação às companhias aéreas brasileiras que resumem a retomada das
viagens em meio à pandemia, mesmo com segurança sanitária.
(Por Solange Galante)
Desde que todos nós, voluntariamente ou não, nos tornamos animais
enjaulados devido à pandemia de Covid-19, praticamente a totalidade dos eventos
programados este ano para a cidade de São Paulo, verdadeira “Meca” do turismo
de negócios brasileira, foram cancelados. A solução encontrada pelos
organizadores dos mesmos foi realizar eventos online para manter cativo seu
público, pensando em eventos futuros, inclusive.
Essa foi a
solução encontrada pela Associação Brasileira de Agências de Viagens, a famosa
ABAV. Sua convenção anual, nos últimos
anos realizada em São Paulo todo mês de setembro, tem público-alvo principalmente
os agentes e as agências de viagens, e foco secundário no consumidor final.
Mas, devido à pandemia de covid-19, também teve que ser “reinventada” e se
transformou numa feira virtual de turismo, a ABAV Collab. O evento ocorreu
entre os dias 27 de setembro e 2 de outubro. Como a própria Associação explica:
“Collab é o conceito que reúne organizações e pessoas em torno de
um objetivo comum. Uma fusão de ações e ideias pensadas para garantir dinâmicas
e conteúdos completos e potentes que vão fazer a diferença na prática dos
profissionais envolvidos. Uma jornada virtual completa para quem deseja se
adaptar às demandas do mercado e transformar seus negócios de forma inovadora. A
ABAV Collab promove a colaboração entre os elos que lutam pela sustentabilidade
do setor e chega para ativar o potencial do turismo brasileiro. A partir da
dinâmica mais inovadora para o turismo, o evento reunirá profissionais e
futuros profissionais do turismo, que poderão se inscrever de forma gratuita e
participar de uma gameficação. Uma programação com foco em capacitação,
networking e geração de negócios desenvolvida por meio de palestras, ted talks,
tutoriais, atrações musicais, stand ups, além de eventos simultâneos promovidos
por demais entidades do setor.”
Muito bonito no papel, na tela do computador ou do smartphone.
Pois a colaboração, a parceria e a união nem sempre são como se pinta ou como
se printa...
OS CHATS DAS LIVES
Desde o começo da pandemia a rede foi inundada de lives, às vezes várias por dia com o
mesminho tema. Lives de meia hora. Lives
de duas horas, até lives de três ou
mais horas. Algumas muito interessantes, sim. Outras, absolutamente inúteis, e
grande parte delas, cansativas. Mas, há uma salvação: acompanhar o chat! Aqueles comentários do lado
(geralmente o direito) dos vídeos é o que tem de melhor em qualquer live! Lá podemos acompanhar os
comentários em tempo real de quem é pró, contra, ou fica em cima do muro. Comentários
engraçados, perguntas inteligentes (ou não) e, infelizmente, até ofensas,
desfilam pela tela, sendo alguns desses comentários lidos e analisados no ar
pelo mestre de cerimônias do evento.
Em relação à ABAV Collab me inscrevi para assistir ao Painel “Voar
é Seguro, panorama através do olhar de seus principais dirigentes” ocorrido no
último dia 28 de setembro às 15 h. Quem eram os dirigentes? Nada menos que John Rodgerson, presidente da Azul Linhas
Aéreas, Paulo Kakinoff, presidente da Gol Linhas Aéreas, Jerome Cadier, CEO da
Latam Airlines Brasil, Eduardo Busch, diretor Executivo da VoePass (antiga Passaredo)
e também Eduardo Sanovicz, presidente da ABEAR, a Associação Brasileira das
Empresas Aéreas. A mediação foi de Magda Nassar, presidente da ABAV Nacional.
Mostrar ao passageiro que a aviação continua segura – especialmente em relação ao novo corona
vírus – foi o principal objetivo do painel. A retomada dos voos, lenta e
gradual, estava envolvendo remarcações de voo, reembolsos de dinheiro das
passagens e algum estresse... Nisso, os representantes das empresas aéreas ressaltavam
a parceria com as agências de viagens. "Vocês são nossa receita, nós precisamos de vocês",
afirmou o presidente da Azul, John Rodgerson. "A melhor coisa que podemos
fazer aos agentes agora é voar, pois assim damos a eles mais produtos para
vender. Não só agentes de viagens, mas a economia depende de nós. Do fabricante
de avião em uma ponta ao vendedor de queijo na praia da Bahia na outra”.
Por sua vez, o presidente da Gol, Paulo Kakinoff falou de uma relação de
interdependência completa. "Nós dependemos mutuamente do êxito do agente
de viagens, portanto diariamente estamos perguntando aos parceiros o que
podemos fazer a eles, pois o que queremos deles já sabemos: qualidade na
informação".
Por sua vez, Jerome
Cadier, CEO da Latam Brasil, lembrou também de outro aspecto em que o agente de
viagens é essencial como hub de informações. "Além de tirar
todas as dúvidas em relação à insegurança, além de eliminar as fake news, esse profissional é essencial
em relação à flexibilidade das tarifas. Muitos clientes não estão seguros quanto
ao crédito que eles têm junto às companhias aéreas, e os agentes precisam
garantir que os bilhetes têm validade, que não serão lançadas novas tarifas,
que aquele dinheiro não é perdido." Já Eduardo Busch, CEO da VoePass afirmou que sua empresa
prioriza o Norte do Brasil na retomada, “pois identificamos que pequenas
cidades da região ainda estavam com o transporte fluvial comprometido. Depois
de inseridos na malha, vimos que a estratégia foi acertada graças aos agentes
de viagens".
No entanto, os
desabafos e os comentários no chat mostravam uma realidade diferente de algumas dessas afirmações.
Primeira bronca: embora aparentemente todos esperassem que realmente fosse uma live, o evento não foi ao vivo, havia
sido gravado antecipadamente. Isso frustrou todos que desejavam fazer perguntas
ao painelistas – e não puderam. Pincei alguns deles, e copiarei a seguir, com minha
análise, e sem identificar seus autores.
A mais
notória dessas broncas foi no sentido de que as empresas pareciam mais
concorrentes das agências do que parceiras, como alegavam, quando colocavam ofertas
em seus próprios sites, inclusive de madrugada, quando os agentes não estavam
trabalhando e podendo disputar (sim, disputar!) os clientes das companhias:
“Seria bom que houvesse uma maior
parceria das cias aéreas com as agências pois muitas vezes comprar direto sai
mais em conta do que através de uma agência.” (AA_07)
“Foi bom falarem em parceiros,
pois por que no site de vocês as
passagens são mais baratas do que para as agências? (AB_21)
“Bom, para as pessoas voarem mais
as tarifas precisam ser atraentes em todas as frentes de reservas, incluindo
agências de viagens. Na teoria é lindo o discurso, mas na vida real...” (S_24)
“John, Por que não fecha as
vendas diretas e utilize apenas as agências, e invista mais em nós agentes de
viagens??? Não valeria mais?” (FS_38)
“O cliente pede cotação, a gente
faz comparativo de voos, acha os melhores preços, aí ele vai para o site da cia.
e compra direto porque nossas tarifas têm RAV (Remuneração
da Agência de Viagens) e acaba custando mais que das cias. E a
maioria dos clientes não valoriza o serviço do agente!”(LS_41)
“Não adianta promoção de
madrugada porque nós, agentes, não trabalhamos nesse horário,.” (JK_53)
“Todo
final de semana tem OFERTAS...” (MM_40)
Os agentes
também chamaram a atenção de que quando há atrasos, cancelamentos e outros problemas
nos voos eles que resolvem, mas não são valorizados pelos passageiros e,
geralmente, nem mesmo pelas próprias companhias aéreas. Inclusive, algumas
reclamações foram dirigidas especificamente para a Gol:
“Na
verdade quem paga pelo nosso serviço é o passageiro. Quando ele percebe que no
site fica mais barato, corre pra lá. No final só ficamos trabalhando e ficando
com a responsabilidade de tantas alterações de horários, independente da
pandemia, é claro! Isso não é parceria!” (MM_15)
“O agente
de viagens está sofrendo com as alterações e cancelamentos que as cias. aéreas
não estão informando e nem atualizando no localizador... aí o passageiro chega
no check-in e descobre que o voo está cancelado, e quem é o culpado? O AGENTE
DE VIAGENS!!!” (TT_56)
“...Tudo isso aí é o que é falado em todos os
eventos de cia. aérea, toda vez que nos encontram são essas mesmas falas. Mas
parceria mesmo não tem, não respondem os questionamentos. Adoram pedir venda
mas nos apoiar, que é bom, nada! Na hora do problema nós arcamos com os
custos.” (TO_18)
“A
pandemia em 2020 provou que o agente de viagens ainda é parte da cia. aérea.
Não fosse nossa parceria (profissionalismo e experiência) não teriam conseguido
remarcar as viagens na avalanche...” (RD_57)
“Está na
hora das cias darem a segurança,que no momento que investiu em uma passagem
aérea o cliente tem 100% a garantia, caso não voar, terá a flexibilidade de
usar em outra data sem custo e sem multa. Afinal a cia. já recebeu o valor e o
cliente não usou o que comprou. Então por que penalizá-lo? Isso daria mais
confiança nas compras antecipadas.”(WF_37)
“Poderiam
treinar os funcionários dos aeroportos e de reserva para não culparem os
agentes de viagem pelas alterações da própria cia aérea. Por que estão
cancelando os voos da Gol para janeiro?.” (ED_18)
“Pergunta pra Gol porque colocam
voos no sistema num dia, vendemos e no dia seguinte cancelam e o valor fica
para usar de crédito.” (ED_38)
“As Cias
Aéreas agem como concorrentes dos agentes de viagens e não como parceiros...
Infelizmente, não existe alinhamento ,Paulo Kakinoff. (CB_49)
“Eu quero parabenizar a ABAV por
este painel, são muito importantes estas informações de segurança e
posicionamento das companhias aéreas. Só tenho uma reclamação em relação à Gol.
Fala-se muito em o agente de viagem ser parceiro, e coloca uma promoção
exclusiva no Pic Pay, onde está a coerência?” (AS_33)
Ou então,
eles não conseguem resolver, as companhias, sim, e o agente fica mal visto pelo
passageiro:
“Será que as cias aéreas serão
parceiras dos agentes de viagens? Pois desconheço parceria existente. As cias
utilizam valores diferenciados em seus sites e quando necessita m resolver
algum empecilho em passagens, o agente não consegue mas se o cliente liga na
cia aérea, ele consegue, assim queimando o agente de viagens.” (SJ_45)
“Voar é seguro desde que o voo
não seja cancelado.” (EA_48)
“Fizemos um trabalho muito
intenso para nossos clientes não cancelarem as passagens e que as reutilizassem.
Agora estamos administrando a ira dos clientes pois todas as tarifas estão pelo
menos 40% mais caras. As passagens que ficaram como crédito não deveriam haver
diferença de tarifa. AIRLINES... revejam essa questão urgente! (AS_06)
Os agentes também deram a entender que as passagens estão realmente
muito caras, o que, é claro, reduz ainda mais seu poder de concorrência com as
ofertas das empresas aéreas.
“Não tem nada barato. Eu como
agente de viagem desde 2000 não consigo ir a Porto Seguro com minha esposa!
(JA_33)
“A tarifa do aéreo está longe de
ser considerada barata... principalmente para destinos de férias em 2021.”
(LS_51)
“As tarifas para destino Pará não
são atraentes, assim como os voos que na sua maioria precisam fazer conexões, e
isso onera o valor da passagem.” (LL_12)
“Os clientes estão voltando para
comprar as passagens aéreas, mas precisamos de melhores preços.” (MA_05)
“Não existe passagem barata pra
nenhum lugar!! O tíquete médio está um absurdo!!” (TT_18)
“Além de melhores preços,
flexibilizar melhor as regras das tarifas, muitas regras que dificultam a
comercialização” (WF_48)
“Os passageiros que adiaram
viagem por causa da pandemia estão sendo penalizados pelas cias aéreas com
preços abusivos. As cias aéreas deveriam se unir com as agências de viagens.
Vocês falam muito em vendas diretas.” (MS_47_50)
Enfim, o painel não satisfez boa parte dos mais de 700 ouvintes diretos
do debate:
“... As
agências são importantes só para divulgar as medidas de segurança?...” (RB_14)
“De fato
a biossegurança é importante, mas praticamente não há nada de novo nessas
informações. Gostaria de saber é como as companhias aéreas pretendem estreitar
seu relacionamento com as agências de viagens no sentido de realmente nos
garantir melhores preços do que em seus sites???”(J_39)
“Nenhum deles expôs nada rentável para agentes,
continuamos sendo apenas um canal de vendas para eles ‘agradecerem’!!!...”
(JDC_33)
“Espero
que a ABAV perceba que um painel gravado não é tão legal assim. Tem alguém
lendo o que comentamos?... O interessante mesmo era podermos fazer perguntas.
Sinceramente, não foi nada diferente do que já acontece: cia. aérea falando o
que convém e se esquivando de responder para a gente.” (TO_42)
“Queríamos
saber quando voltaremos a ser tratados como Agentes de Viagens, os legítimos
vendedores das aéreas.” (PIBC_03)
“Nenhum
deles expôs nada rentável para agentes, continuamos sendo apenas um canal de
vendas para eles “agradecerem”!!!...” (JDC_33)
“Mas eles
não querem nos ouvir!!! Trabalhamos pra eles de graça!!! Há muito tempo que não
vendo bilhetes isoladamente: apenas com serviços!” (MM_06)
“O
discurso é sempre o mesmo, e a prática de acordo com o interesse próprio das cias
que desqualifica o Agente de Viagens quando lança tarifas mais baixas para
compra direta, não viabilizam as remarcações e alterações paras as Agências. O
passageiro vai ao aeroporto e consegue resolver as remarcações. Por uma RAV
mínima, ainda somos responsáveis solidários.” (MCB_51)
“Por que
será que o consumidor conhece mais o exterior do que o Brasil??” (ALJ_10)
E ainda dão algumas ideias às companhias:
“Ao invés de parceria com OAB,
órgãos públicos com tarifas diferenciadas, por que não oferecem para agências
de viagens?” (JDC_20)
“Agora a
situação vai se modificar, pois o dólar está alto e os países não estão
deixando brasileiros entrarem. Essa é a hora da viagem pelo Brasil!”(JGB_34)
“Por que as cias aéreas não copiam a ideia da
Qantas (Criar um voo pra lugar nenhum). É um voo de 7 horas que fica
sobrevoando lugares turísticos e depois volta. Por exemplo, eu viajava toda
semana para Campo dos Goytacazes pela Azul no excelente ATR72/600 que é de asa
alta e tem uma visibilidade do litoral do estado rio maravilhoso – existem
outros lugares. Seria uma maneira dos passageiros verem que é seguro voar. A
Qantas vendeu os lugares em 10 minutos.” (MZ_22_40_17)
Mensagens finais, resumindo o desejo dos agentes:
“Todos nós agentes de viagens
estamos juntos e interessadíssimos na retomada do Turismo como um todo. Cias
Aéreas, vamos dar as mãos com tarifas possíveis e viáveis de trabalhar junto
aos clientes.” (ERR_00)
“Parceria tem que ser boa para os
dois lados e não só para a cia aérea.” (MLF_59)
UTOPIA
“A
concorrência direta do fornecedor ré um caminho sem volta. Penso eu, que nós
como agentes de viagens devemos é enaltecer nosso trabalho com o cliente.
Mostrar nosso valor... Parece utópico mas ficou claro agora a necessidade de
nossos serviços. Hoje inviável viajar de avião, salvo algumas tarifas promo
inter...” (PR_35)
Esse comentário traz uma observação que é a mais pura realidade: cada vez mais
clientes contatarão diretamente não só as companhias aéreas mais também hotéis,
operadores de pacotes locais para passeios etc, prescindindo do agente de
viagens. E é um caminho sem volta, mesmo.
“Até agora ninguém falou em
agente de viagens, será que existimos???” (ALJ_08)
Sim, ainda existem, mas as próprias companhias
aéreas já mostram que só precisam deles na hora de resolver um pepino. Só não
confessam isso, né? Foi o que a Gol quis fazer quando iniciou as operações em
15 de janeiro de 2001, mas não deu muito certo, a chiadeira dos agentes foi
geral... Mas, de lá pra cá muita coisa mudou, com Decolar.com, Uber e toda
sorte de serviços terceirizados permitindo ao consumidor se virar sozinho para
viajar. Veremos mais reclamações e mais disputas a todo momento.
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