quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

SPEECH

A REALIDADE DOS AERONAUTAS

(por Solange Galante)

Glamour: até onde?


Este ano eu completo 25 anos de jornalismo de aviação. Mas eu gosto de aviação há muito mais tempo: no ano passado, completei 40 anos desde que o famoso "Aerococus" me picou pela primeira vez.

Assim como grande parte das pessoas que se apaixonam pela aviação sem ter tido parentes trabalhando nela, eu me entusiasmei e fiquei fascinada pelo que a Aviação nos mostra de bonito, de bom, de glamouroso. Aquele por-do-sol que só os aviadores veem. Aquela coleção de carimbos no passaporte que só comissários e comissárias e pilotos internacionais ostentam. Aquele uniforme impecável, o quepe branco, azul ou preto, a asinha brilhando no peito, a cerimônia de formatura após o curso para conseguir a tão desejada carteira que o ou a habilita a ser empregado em uma companhia de aviação para... voar!!!

Tudo parece lindo e maravilhoso, até bater de frente com a realidade da profissão.

Quando comecei a gostar de aviação, lembro de uma reportagem da década de 1980 do saudoso Jornal da Tarde, em duas páginas, com fotos de aviões da Vasp, da Varig etc e dizendo que os pilotos estavam "Cansados". Era uma denúncia do Sindicato dos Aeronautas alertando sobre o risco para a segurança de voo.

Na época, eu era apenas uma entusiasta da aviação, mas fiquei chocada com o que eu li. Anos depois, me tornei jornalista e fui abençoada com a dádiva de escrever sobre aviação, fazendo o que eu realmente gostava: estar bem perto da  aviação comercial. Mas esse "estar perto" implicava estar perto da parte ruim , podre, menos conhecida e divulgada, da aviação, também!

A "tirania" das empresas da época, nacionais e estrangeiras, me inspirou até mesmo a incluir em meu romance "A Ás", publicado em 2016 mas já rascunhado 30 anos atrás, o terrorismo de diretores de empresas aéreas contra minha personagem principal do romance, uma mulher comandante.

Ao longo especialmente das duas últimas décadas, com minha experiência jornalística, posso afirmar que tudo só piorou desde então. Pois, se antes aeronautas – que trabalhavam em empresas onde o presidente ou o dono eram do ramo há décadas – podiam falar abertamente do que vinha lhes acontecendo, posteriormente passaram a ser amordaçados. Falar em reportagens, sejam elas escritas ou em vídeo, áudio etc, só em casos excepcionais e falando bem, muito bem, é claro, da profissão e da companhia onde trabalham. Sente-se no ar o medo, ou melhor, o pavor dos aeronautas em abrir a boca, por mais inocente que seja o assunto.

Mas, quem está dentro desse mundo, mesmo como jornalista especializado(a), e, principalmente por estar dessa forma, vendo "de fora", sabe que o conceito de Paraíso na Terra acaba justamente aí, na mordaça.

A verdade é: se os passageiros soubessem o que de fato se passa nos bastidores de uma companhia aérea, pelo menos, pensariam duas vezes antes de voar.  O filme "O Voo", com Denzel Washington é cantiga de ninar perto da realidade.

Há uns poucos anos, assisti, na internet, ao vídeo-depoimento de uma ex-comissária de voo de uma cia. brasileira, contando tudo o que se passava na cia. onde ela trabalhara e outras. Mais ou menos na mesma época, um amigo meu estava feliz de voar enfim num modelo de avião diferente porque no modelo anterior não tinha "sarcófago", ou seja, o compartimento para descanso dos tripulantes, de modo que ele tinha que tentar descansar na Business Class mesmo, sem privacidade e com conforto limitado, tudo porque o antigo fundador da companhia queria mais lugares para passageiros, portanto, nada de "sarcófago" tomando lugar na cabine.

Anos atrás também assisti a acaloradas palestras de diretores de nossas cias. aéreas defendendo veementemente o aumento do limite de horas de voo dos aeronautas, para pelo menos 100 horas mensais. Mas ninguém (quis) perguntou para os aeronautas se isso os deixaria mais cansados ou não.



De repente, ontem, recebo material sobre o caso recente envolvendo um comandante demitido. Demitido porque chegou às vias de fato com um operador de "finger" em Congonhas. O próprio aeronauta reconhecia seu erro, apesar de ter sido provocado com insultos (segundo ele) pelo aeroviário, mas o que estava incomodando o comandante e seus colegas era a maneira como foi demitido da empresa aérea, praticamente sem chance de defesa e muito rápido. Um exemplo de terrorismo corporativo, como ele dava a entender.

Há que se perguntar porque se chega a esse ponto: agressão física na frente de passageiros e outros aeronautas e aeroviários. Há que se perguntar também o que há por trás de funcionário (s) agindo dessa forma. lembrando que a própria aviação dá o exemplo dos elos que culminam num acidente aéreo. No caso, um piloto pode ter cometido o erro que culminou em acidente por ter sido (a) mal preparado pela empresa, (b ) ter sofrido pressão da empresa ou de alguém ou (c) não ter reconhecido o erro de alguém mais da empresa, e como ele era o último elo, acabou, infelizmente, dando continuidade ao erro fatal.

De tempos em tempos surge, na aviação, em todo o mundo, pilotos ou mecânicos suicidas que decolam à revelia com um avião de uma empresa e depois acidenta-se deliberadamente, matando a si próprio e a terceiros, em alguns casos. Claro que isso já aconteceu também com motoristas de automóveis. Claro que motoristas também podem estar exaustos e sob pressão, em especial os caminhoneiros. Claro que cada pessoa também deve tentar pesar prós e contras na hora de permanecer ou não em uma empresa onde não se sinta bem como funcionário. Mas, e os clientes, como ficarão, depois de um desentendimento entre as partes? Os clientes de um caminhão e os clientes de uma empresa aérea?

Que riscos um passageiro pode experimentar ao voar com uma tripulação que finge felicidade, realização profissional, saúde física, social, mental e familiar? Que apenas "finge" que está tudo bem?

Em relação ao caso atual, da briga e demissão, está ocorrendo uma mobilização de tripulantes a favor da readmissão do comandante, e que foi iniciada por uma mulher, uma copiloto da empresa. Talvez por nós, mulheres, estarmos acostumadas a sofrer na pele intransigências. 

Sei que, independentemente do final desse caso, que ainda não se resolveu por completo, a  aviação  comercial, a brasileira em particular, vive mesmo tempos sombrios... Eu já escrevi mais de uma vez por aqui que antigamente os aeronautas batiam no peito com orgulho como pilotos da Vasp, Varig, Transbrasil e  Cruzeiro, além de também da Real e da Panair, mesmo da TAM, Rio Sul e outras empresas que não existem mais. Os pilotos e comissários também sofriam na carne e na alma serem tratados como motoristas e enfeites das companhias, mas ainda tinham voz, e hoje nem isso mais têm. Às vezes, só de fora, como ocorre no meu caso, é possível se saber do que ocorre de fato nos bastidores.

Observação: recebi vários arquivos, de áudio e texto sobre o caso recentemente citado mas não fui fundo nos principais detalhes a ponto de tomar partido em definitivo para qualquer dos lados. No entanto, como sei que a relação de aeronautas e empresas vem se deteriorando em todo o mundo, acredito que o que aconteceu também tenha sido consequência dessa mesma deteriorização. Só me resta orar por todos (passageiros, também) e torcer para que os rostos felizes das selfies e fotos de aeronautas uniformizados, amigos meus ou não, que se multiplicam na internet, transmitam de fato o que sua alma sente quando estão em aeroportos ou voando.



Um comentário:

  1. Você não é aeronauta, é apenas entusiasta e não tem lugar de fala, também não tem como saber o que acontece nos bastidores. Pegou a opinião de alguns aeronautas insatisfeitos com a profissão,e misturou com o passado e com pitadas de "opressão" das cias. Aí saiu esse texto aí. A opinião contida no texto é apenas pessoal, e não da classe.

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