sábado, 6 de fevereiro de 2021

ENTREVISTA

 

DE VOLTA AO MERCADO

 


ORLANDO MENEZES,
FUNDADOR E PRESIDENTE DA ASAS LINHAS AÉREAS

 

Orlando (ao centro, de terno) e o time de "Asas" (Foto: Divulgação)


                                                                           Por Solange Galante

 (Atualizado dia 8 de fevereiro às 16 h)

Orlando Menezes Silva, filho, neto e irmão de variguianos, também passou, é claro, pela VARIG. Ficou um tempo afastado da aviação, mas isso não durou muito. Aproveitando sua experiência, entre outras atividades realizadas na empresa, com a cargas, em 2004 foi o fundador da Air Brasil Linhas Aéreas, que operou até 2012, já sob terceira propriedade. Essa companhia começou a operar com dois Boeing 727-200 (depois, recebeu outros). Segundo Orlando, foram tempos difíceis, em que, sob o jugo do Departamento de Aviação Civil (DAC), teve que aprender a criar e administrar uma empresa aérea no Brasil, o que começou de uma sugestão informal a amigos que também eram variguianos, enquanto estavam tomando um café perto do Aeroporto de Congonhas.

Mais recentemente, surgiram os planos de criar uma nova empresa aérea cargueira, e assim nasceu a ASAS. O avião escolhido? Novamente o Boeing 727-200F. A disponibilidade de alguns deles estocados no Brasil (ex-Rio Linhas Aéreas) facilitou os planos. Orlando, que já superou um câncer e até a covid-19, mostra que não é apenas teimosia, mas muita vontade de vencer. Confira nossa conversa com o fundador e presidente da nova companhia aérea.

 

O PR-IOC ainda está com a pintura da RIO, mesmo após esta ter sido incorporada pela Sideral Linhas Aéreas. (Foto: Divulgação)

CP: Em que fase se encontra atualmente a homologação da empresa Asas Linhas Aéreas?

OM: Nós estamos na fase quatro, que é a que precede a cinco, que é a fase de homologação. Tivemos alguns manuais que precisamos refazer mas essa tarefa já foi superada. Já temos a tripulação, temos a aeronave, uma base (São José dos Campos/SP), os manuais. Agora vem a ground school e o treinamento, assim que abrir o simulador existente lá nos Estados Unidos.

 

CP: Eu soube que vocês estavam tendo alguma dificuldade para ter tripulação para transladar o avião, que está em Curitiba (PR-IOC, ex-Rio) para São José dos Campos, onde será a base operacional da empresa. Como está essa questão?

OM: Essa é a coisa mais surreal que eu já vivi nesses anos todos de aviação. Você deve saber tão bem quanto eu que uma empresa aérea é um processo burocrático, trabalhoso e demorado. E a coisa mais surreal que eu poderia ter enfrentado nesse processo foi não conseguir treinar minha tripulação. Porque, na minha primeira experiência com companhia aérea (a Air Brasil) eu cheguei a ter 15 tripulações, 38 tripulantes treinados porque minha ideia era ter a primeira, a segunda e a terceira aeronaves, então já treinei todo mundo. Hoje só temos um centro de treinamento para esse modelo de avião, que fica em Sanford, a 30 km de Orlando, na Flórida e, como se não bastasse isso, você tem toda dificuldade no aspecto sanitário, que é a covid-19 fechando fronteiras. Estamos tentando transladar o avião há quase oito meses, mas isso teria já sido resolvido se a única companhia brasileira que opera com Boeing 727 tivesse cedido uma tripulação, com honorários pagos pela ASAS, como é de praxe, mas eles se negaram em função de não querer fomentar uma nova empresa que concorreria com eles. Uma opinião, a meu ver, um tanto retrógrada, porque a Aviação é se ajudar mutuamente. Veja bem, um dia, lá nos cafundós do Brasil, no Norte, pode ter um avião deles em pane e eu encostando lá com o meu seria a salvação do problema. É assim que funciona na aviação. Então, depois que tivemos essa negativa deles, começamos a procurar uma tripulação nos EUA, na Europa, na América Central. Algumas até foram encontradas, mas, em função da pandemia, não puderam executar o serviço por não poder entrar no Brasil. Mas, finalmente hoje (três de fevereiro) conseguimos com uma empresa uruguaia, a Air Class, que voa 727 e também acaba de adquirir outra aeronave da Rio, o PR-IOB. Eles virão buscar a aeronave em meados do dia 20 de fevereiro, e aí a tripulação que virá buscá-lo fará o ferry flight para a gente, entre Curitiba e São José dos Campos. (1) Já o PR-IOB irá do Brasil para o Peru para a manutenção. Inacreditavelmente, há três empresas de manutenção de Boeing 727 no Brasil homologadas pela ANAC, mas elas perderam na concorrência, para Lima, mesmo com o custo de translado, querosene etc, então os uruguaios vão levar a aeronave para manutenção lá. Ficou mais barato.

 

CP: Quais são as do Brasil? Além da conhecidíssima Digex?

OM: Existe a JF, que era sediada aqui em Guarulhos e que mudou para Brasília. E existem também a TAP ME, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, que muita gente pensou que tivesse fechado, além, é claro, da Digex, em São José dos Campos.

 

CP: Pergunta que todo mundo faz: porque o Boeing 727, se é um modelo que já está sendo substituído?

OM: A performance do 727 é incomparável. Dependendo do traço (modelo) do motor, você leva 27 toneladas (2). Enquanto que o 737-400 que é o que todo mundo está indo buscar leva 14 toneladas (3). E o custo de horas de voo? Tudo bem, o 727 consome o dobro do combustível, mas ele leva mais que o dobro de payload. Então, é uma aeronave versátil que, na África, por exemplo, opera até em pista de terra. Ele é autônomo, tem escada traseira, não precisa de apoio de solo, esses são custos que o 727 não tem. Particularmente, é uma aeronave da qual eu gosto muito e também todo aviador tem a nostalgia e sente o glamour de ter voado o 727. A única inconveniência hoje é essa questão de treinamento, limitada. Mas se você considerar que essa empresa de treinamento é homologada pela FAA dos EUA e existem ainda uns 30 a 40 Boeing 727 voando no mundo, considerando principalmente a África, não me parece que eles vão abrir mão desse filão tão cedo. Penso que quando, algum dia, o Boeing 727 desaparecer, vai deixar uma lacuna muito grande nesse nicho de mercado, acima dele está o Boeing 767, que leva o dobro de carga paga, mas aí pode não ter demanda para 40 toneladas de capacidade (4).

 

CP: Mas encontrar peças de um 727 é mais difícil que para um 737-400...

OM: Mas, em compensação, você compra o trem de pouso de um 727 por 15, 17, 20 mil dólares e de um Boeing 737-400 custa 70 mil dólares. Nosso 727 (s/n 22984) é do último ano de fabricação, 1982 (5). Avião é como um Rolls-Royce antigo, se ele for mantido bem.

 

CP: Vocês pretendem pegar carga postal também? Entrar em licitações dos Correios?

OM: Os Correios vão passar por uma grande transformação. Não sei se vão conseguir privatizá-lo mas ele é deficitário desde que eu me conheço por gente. Na outra experiência que eu tive, se eu não tivesse pego o correio eu teria falido no primeiro mês porque 70% do mercado de carga no Brasil está nas mãos de agentes de carga. O agente de cargas leva a carga dele por outra empresa por 1 centavo de diferença. Leva pela Azul, pela TAM, etc. E quando tiver grande demanda, essas empresas vão largar a carga no chão em prol de quem pagar 10 vezes mais. Mas os Correios não podem ser vistos, na minha opinião, como eram vistos antes, uma tábua de salvação. Porque, se houver a privatização, seja quem for que os compre, Amazon, que dizem que é uma forte candidata, ou Fedex, UPS etc, vai administrar aquilo para dar lucro. Os Correios pagam, hoje, o que nenhuma empresa consegue apurar voando no mercado, porque eles têm que atender à demanda da Rede Postal Noturna. E quem for para lá vai chamar as operadoras e dizer “Vou pagar metade. Se não quiserem, vou colocar avião próprio”. Coisa que uma empresa estatal não pode fazer. A Prime Air, que pertence à Amazon, tem um business plan de colocar 85 aviões, em dois anos, na frota. Mas existe mercado para todo mundo. A pandemia quase quebrou com a aviação comercial no mundo. Por outro lado, é o melhor momento da carga aérea mundial, nos últimos 20 anos. Tem gente pagando 40 mil dólares a hora de um Boeing 747 e está faltando avião cargueiro no mercado. Qualquer negócio que envolva carga aérea me interessa. Não é por causa do correio que estou montando a empresa, mas porque enxergo nichos de mercado que creio que possamos atender e sei que tem espaço para todo mundo. Por questões de estratégia, prefiro não dizer, agora, quais são.

 

CP: E que momento você decidiu que teria que existir a ASAS? Qual foi a motivação principal?

OM: A aviação é inexplicável, quando ela entra no sangue da gente. Primeiro a ideia esteve um pouco adormecida mas as coisas foram convergindo e, quando eu vi, já estava tocando o projeto. O que eu mais prezo e que tem sido um privilégio e uma honra, é conviver com as pessoas com as quais estou convivendo. Diferente da Air Brasil, quando eu aprendi o caminho das pedras, e acho que isso facilita. Esse é o grande handicap da ASAS, que eu digo a toda hora aos meus 13 colaboradores fixos. Não é ter um, dois, cinco ou dez aviões.

 

O  primeiro Boeing 727-200 da Air Brasil, primeira experiência de Orlando como proprietário de companhia aérea. (Foto: Antônio Carlos Scudeler)


CP: Que experiências boas e ruins você trouxe da Air Brasil?   

OM: A pior delas todas foi a decepção com o ser humano. Pessoas que eu ajudei, tirei da necessidade extrema e estavam até passando fome mas me traíram. O que se juntou ao estresse de aprender a montar uma empresa aérea na p... e me causou até câncer.

 

CP: Essa foi a experiência ruim, e a experiência boa?

OM: A experiência boa foi ver o avião levantar voo. Porque é a materialização de um sonho, foi a concretização de todo aquele sacrifício. Vale a pena ver que aquilo tinha acontecido. O lado bom da história é ver que é possível sonhar, depois de muita dedicação e muito esforço, muita injustiça e quebra de privilégios do “Clube do Bolinha” das empresas que existiam na época, ver o avião decolar, ver que é possível.

 

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OBSERVAÇÕES:

 

(1)

Informação em primeira mão, neste Blog. Checada e complementada: O PR-IOB será CX-CLC na Air Class. Embora tenha sido publicado em outro site, em outubro passado, que seria o PR-IOC que, soubemos depois, será o da Asas.

 

(2)

Segundo diversas fontes, entre elas as empresas abaixo, um Boeing727-200F pode levar até 26,5 toneladas em até 12 pallets com 218 cm de altura. Há relatos de transporte de até 30 toneladas.

(Fontes: DHL, Total Linhas Aéreas e Brinkley)

 

(3)

Segundo as seguintes fontes, a capacidade máxima/mínima encontradas para carga do Boeing 737-400F (em 10 pallets de 210/213 cm de altura) são: 21,3 ton/18,2 ton), e o mais próximo dessa capacidade seria um Boeing 737-200 (13,6 ton), ou seja, bem acima das 14 ton relacionadas pelo entrevistado ao 734.

(Fontes: Bluebird Nordic, AirCharter Advisor, AirCharter Service

Aeronautical Engineers, Inc, Eurasian Cargo Solutions)

Curiosidade: A aeronave 737-400F transporta, na Azul Linhas Aéreas o total de 19.775 kg, sendo 12.338 no upper deck (equivalente à cabine de passageiros num avião full pax) mais 3.240 kg no lower deck dianteiro e 4.187 kg no lower deck traseiro.


(4)

Boeing 767-200ERSF ou -200ERF: 44 toneladas

 

(5)

O avião PR-IOC é de 1982 mas o último ano de fabricação dos Boeing 727-200 foi 1984.

 

***Continuaremos acompanhando atentamente a trajetória da ASAS!***



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