segunda-feira, 17 de agosto de 2020

SPEECH

 FALANDO DE RAZÃO E EMOÇÃO

(VULGO PAIXÃO)

Uma análise sobre leitores e seguidores



Atenção! Esse texto contém opiniões extremamente pessoais que poderão chocar pessoas mais sensíveis e adeptos dos "mimimis"! Mas, não se preocupe: em nenhum caso estarei citando nomes.

(por Solange Galante)

Não se engane: especialistas não sabem tudo. Eles apenas sabem mais que a média. Se soubessem tudo, não fariam besteiras de vez em quando (embora menos que a média, é claro). Assim como o médico está sempre aprendendo, em cursos, na vivência do dia a dia, e com os acertos ou os enganos dos outros, engenheiros, professores, pilotos, mecânicos, e toda sorte de profissional, também está.

Especialistas são seres humanos. Eu disse HU-MA-NOS. Mesmo que fossem robôs, supercomputadores e inteligências artificiais, também seriam falíveis, porque seriam criados por seres humanos. Mas, já dizia aquela frase cuja autoria já se perdeu nos milênios: "Errar é humano, persistir no erro não é."

Mas, pô! Se o ser humano é falível, não poderia errar uma segunda, uma terceira, até uma quarta ou quinta vez? Claro que pode, mas não deveria. Basta pensar em acidentes aéreos recorrentes ou cirurgias plásticas utilizando técnicas duvidosas recorrentes. Como ser humano que é, o especialista deveria aprender com o próprio erro inicial e evitá-lo. Pode até cometer erros novos, mas, se persistir no mesmo erro inicial, nega a própria essência do ser humano: o raciocínio. Raciocinando, errando (erro novo), raciocinando de novo, errando de novo, raciocinando mais uma vez e assim por diante, melhora a si próprio como ser humano. Mas, para isso, tem que ter a humildade de assumir o erro, recomeçar, refazer, e, desta vez, fazer muito melhor. A vida é assim desde que o nenê tenta andar e cai, daí levanta, descobre qual o limite para estender suas perninhas e passar o peso do corpo de uma para outra. De tombo em tombo, um dia poderá vencer os 100 metros rasos e ganhar uma medalha.

Portanto, além de adquirir o conhecimento acumulado por séculos e inúmeras gerações por outros seres humanos que erraram, refizeram e, daí, um dia, acertaram o especialista tem que continuar aprendendo com os acertos e os erros, próprios e dos outros.

Especialistas não são máquinas programadas para apenas fazer uma coisa. Como seres humanos que são, eles têm vários papéis sociais e trazem em seu DNA a experiência de todos seus antepassados. Aprenderam com a família, aprendem com os filhos, aprendem com seus crenças. Nessa miscelânea de aprendizagem e experiências, moldam suas práticas de acordo com sua individualidade, pois se há mais de 7 bilhões de seres humanos no mundo, há mais de sete bilhões de mundos dentro do planeta Terra, pois cada homem e cada mulher é um ser completamente diferente do outro. Ou seja, por exemplo, a Lei da Gravidade é uma só para todos e para tudo mas como ela será explicada aos outros e até aproveitada para novas experiências e novos desafios, aí cada especialista o fará de maneira exclusiva. Até para aprender um pouco mais sobre ela.

Qual o problema, afinal? Ah, o problema é quando os especialistas são transformados em deuses e geram uma espécie de fanatismo, denunciado por mais do que acaloradas discussões online...



Admiração, mas... 

Este ano completarei 25 anos ininterruptos de jornalismo de aviação. Sempre aprendendo, e sempre disposta a aprender mais. Volta e meia, no Facebook, publico alguma pergunta sobre o que não sei ou alguma informação nova que desejo confirmar, geralmente sobre aviação militar, para a qual não me dedico e, naturalmente, conheço muito menos. Lembro que, quando eu ainda não era jornalista, em uma feira de ciências no colégio onde estudei, como eu já gostava de aviação e expus isso, um grupo de adolescentes, garotos, me fez uma pergunta sobre algum avião militar e eu respondi errado. Diante disso, caçoaram (e muito) de mim, especialmente por eu ser uma garota, pois eram tempos em que muita gente também chegava perto de mim e comentava: "Nossa! Mulher que gosta de avião!!!", pois estranhavam. Bem...o que, aliás, ainda não mudou muito, ainda hoje.

Vou lhes contar uma coisa: eu não me considero especialista em aviação. Mas me considero especialista em jornalismo de aviação. Não pelos 25 anos ininterruptos tendo escrito para várias revistas e publicações especializadas, e nem tanto pelos prêmios conquistados em decorrência do meu trabalho, mas principalmente pelos feedbacks espontâneos, especialmente aqueles desinteressados (claro que há os interessados também, e sei identificá-los) dos leitores. Há quem aparece do nada, me escrevendo por email, pelo messenger ou facebook, ou, após me conhecer pessoalmente em algum evento, se aproxima e revela que me lê constantemente e que adora meus textos. Houve o deputado federal que mandou um email para uma revista onde trabalhei, elogiando-me e dizendo que estava usando informações de um dos meus textos para um estudo sobre aviação regional, e citou-o e citou-me para discursar lá na Câmara, em Brasília. Há quem me procure para ajudar a chamar a atenção pública para algum problema da  aviação, como um museu prestes a fechar ou um avião prestes a "virar latinha". E houve até aquele chefe difícil que olhou nos meus olhos e disse "Eu gosto muito dos seus textos", o que, testemunhas falam, ele jamais tinha dito a qualquer outro colaborador. Isso tudo me faz pensar: "É, acho que estou na profissão certa e sei fazer o que me proponho a fazer." O que não me exime de aprender ainda mais e cometer erros, de vez em quando. E, para isso, sou muuuito observadora, vocês não imaginam quanto...




...cuidado com a idolatria!

Vinte e muitos anos atrás, eu ainda era somente mais uma entusiasta e acompanhava textos de vários nomes que colaboravam com várias revistas de aviação famosas no Brasil ou jornais com colunas sobre aviação. Quando comecei a escrever profissionalmente também, fiquei entusiasmada de passar a pertencer a esse meio mas, logo depois, descobri, digamos, algumas "falhas morais e/ou profissionais" de algumas pessoas (felizmente, não todas) que eu admirava. E isso me decepcionou, é claro. Só para listar algumas desses "falhas":

*Copiar integralmente um capítulo de um livro para publicar como de sua própria autoria em artigo numa revista (eu soube disso pelo autor do livro, que disse que estava processando judicialmente o autor da matéria);

*Uso não autorizado e rotineiro de fotos de autores conhecidos em revistas, sem os devidos créditos, muito menos pagamento pelo uso;

*Plágio, reconhecido pela Justiça, de reportagens de terceiros. 

Mas decepcionar-se com alguém acontece também em relação a nossos ídolos no mundo da música, do cinema, dos esportes, do dia a dia. E não é culpa deles, ídolos! Não escrevi lá em cima que especialistas são "humanos"? A culpa, muitas vezes, é de quem idolatra, só enxerga o lado bom, e, pior, acaba aceitando tudo o que falam, sem raciocinar, vão engolindo automaticamente... E essa idolatria causa até as tais defesas apaixonadas ao extremo (e irracionais) e as consequentes brigas ferozes nas redes sociais. Por parte de jovens inexperientes? Não apenas! Até mesmo por parte de pessoas maduras (em termos) e bem experientes, profissionalmente falando!

Tenho um amigo que, quando me encontrava ou conversávamos por telefone, vinha falando: "Solange, que texto maravilhoso que você escreveu! Adorei! Sou seu fã! nem tenho palavras para elogiar você! Você é a melhor jornalista do mundo!" etc etc etc..."  E eu respondia assim: "Menos... menos..." Me senti até mal... eu realmente fazia o meu melhor dentro do que eu sei fazer mas confesso não ser muito fã de confete... Tudo tem limite, até aplausos. Quando eu ainda não era jornalista, eu já sonhava em ser especialista em alguma coisa, e ter até alguma fama, estar acima da média, ser "conhecida", mas jamais a ponto de não poder sair na rua sem ser perseguida e ter as roupas rasgadas, por exemplo... Óbvio que estou muito distante disso, mas é um exemplo de como o exagero dos fãs pode incomodar. A idolatria é perigosa, ainda mais quando o ídolo vira uma espécie de guru, em especial na área de aviação, que é extremamente técnica. Idolatria que a internet, cada vez mais, multiplica perigosamente. 

A palavra "modéstia" tem como significado comum a "ausência de vaidade em relação ao valor próprio, às própria realizações, êxitos e etc". Mas um falecido pensador, psicólogo, inclusive, cujas frases sempre guardei e cujas ideias sempre analisei (sem engoli-las automaticamente) dizia que "ser modesto é ser quem você é, sem mais, sem menos", simples assim. Ou seja, se você é vencedor na sua profissão e mostra suas medalhas merecida e honestamente ganhas, não está desfilando arrogância ou soberba. Agora, se, mesmo sem ser piloto, alguém entende muito de aviação e publica nas redes sociais que pousaria tranquilamente um avião em emergência se estivesse a bordo, acho que o melhor a fazer é analisar antes sua própria capacidade: teria realmente como fazer isso? Já está antevendo todas as circunstâncias da emergência? Lembro: o especialista sabe "mais" mas não sabe "tudo". E a responsabilidade de quem é eleito guru é enorme...


Finalmente, há os "posudos"


Foto: TravelMediaProductions / Shutterstock.com

Ah, sim, também tem aqueles que parecem um pinguim imperador (que é uma bela espécie, aliás, desde que não seja imitada pelo ser humano) e, por se sentirem tão altivos e eternamente de fraque e bico espetado para cima, acham que podem enxertar em textos alheios informações (muitas vezes erradas e sem qualquer fonte como base) não originárias das pesquisas dos autores... Estes, mesmos que não tenham fãs que os idolatrem como em outros casos, são alimentados pela vista grossa de quem os financia, geralmente quem paga seus anúncios. E, com isso, estufam ainda mais o peito, a ponto de desmerecer com toneladas de ingratidão os verdadeiros heróis, os verdadeiros detentores de conhecimento, os verdadeiros especialistas, mesmo que estes já tenham idade o suficiente para serem seus avós.

Conclusão

Quando seguir alguém, jamais o faça cegamente. Muito menos siga seus maus exemplos.

Use sua inteligência e raciocínio, sempre.

Evite o "efeito manada", seja no mundo virtual ou no real.

Seja, antes de mais nada, fã de você mesmo. De seus projetos, de seu trabalho, de sua individualidade.

Eu não acho arrogância mostrar e compartilhar conhecimento.Só que nem todo mundo o faz de maneira adequada e nem todo mundo absorve esse conhecimento da maneira que deve, infelizmente.

A mensagem final nem é minha, é de outro especialista, e vale para todo tipo de texto, inclusive os orais, como os do Youtube.


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