segunda-feira, 4 de maio de 2020

SPEECH


Tempos de Covid-19

CENÁRIOS QUE SURGEM
 POR TRÁS DA NEBLINA

(foto: divulgação Emirates Skycargo)

                                                                           Por Solange Galante

É impossível prever como o mundo estará quando a pandemia do Covid-19 for controlada. O que pensar, então, da aviação, cujas margens de lucro sempre foram estreitas, os planos são sempre de médio a longo prazo, o investimento em segurança de voo e segurança patrimonial e pessoal (safety and security) consome grande parte dos recursos e possui profissionais altamente especializados?

Nenhuma bola de cristal poderia prever a pandemia do Covid-19, muito menos pode, hoje, prever o futuro da aviação comercial. No entanto, como o ano já começou com esse tsunami que veio avançando desde a Ásia rumo ao ocidente, já se pode notar algumas tendências para curto e médio prazos.

(foto: divulgação IATA)

No dia 14 de abril ocorreu o primeiro painel de discussões online do GARS – German Aviation Research Society. Esse grupo tem, como metas, conectar teoria e práticas na aviação, servindo de plataforma para acadêmicos e profissionais; atuando como um fórum para discutir desenvolvimentos recentes; promovendo o diálogo entre pesquisa, indústria e órgãos reguladores e apoiando talentos acadêmicos no campo de pesquisas na aviação. O evento da GARS foi realizado em cooperação com a Universidade Politécnica de Hong Kong e a Universidade de Ciências Aplicadas de Bremen (Alemanha) e reuniu, ente outros, representantes especialistas em aviação comercial da consultoria canadense InterVistas, da IATA, da Monash University (Melbourne, Austrália) e da consultoria suíça Aviation Advocacy. Discutindo juntos as tendências para a aviação, suas observações convergem para o seguinte cenário:

Companhias Aéreas – passageiros e cargas

(foto: Afonso Delagassa)

O número de voos em todo o mundo, no início de abril, havia se reduzido em 80%. A indústria de aviação estava praticamente toda no chão, exceto os voos cargueiros e de repatriação de cidadãos de diversos países e voos domésticos nos Estados Unidos e Ásia.

As “supply chains” estão aquecidas como nunca. A demanda por medicamentos e suprimentos médicos, em especial, encontrou uma frota insuficiente de aviões cargueiros, pois não se podia mais contar com os espaços nos porões (bellies) dos aviões de passageiros, que pararam de voar, e muitos destes foram, então, convertidos em cargueiros para suprir as necessidades de transporte domésticos, continental e intercontinental. Com a queda acentuada nos preços dos combustíveis, usar aeronaves mais antigas (e “beberronas”) voltou a ser viável. Empresas como a Lufthansa Cargo adiaram a retirada de sua frota de vários MD-11F que estavam sendo rapidamente substituídos pelos novíssimos Boeing 777F. Para os quais poderia, também, faltar carga em alguns mercados para ocupar todo seu gigantesco deque.

Alguns países podem, inclusive, desejar nacionalizar sua transportadora nacional para garantir sua cadeia de suprimentos, como apontou uma das conclusões do painel de discussões.

Falando em frota, metade da frota global de aviões pertence a bancos ou companhias de leasing e a queda no valor de cada aeronave vai ser enormemente sentida por essas instituições, também.

(foto: Afonso Delagassa)

As previsões – que, é claro, podem ser alteradas, mas o cenário atual já sugere uma tendência – são de que os mercados domésticos comecem a se recuperar no terceiro trimestre de 2020, mas os voos interacionais deverão levar muito mais tempo para se recuperarem. E são justamente os voos internacionais, em especial os intercontinentais, que representam justamente 67% da receita total de passageiros/km voado das empresas aéreas. Tudo dependerá de como os clientes irão se comportar quando a pandemia passar. Uma coisa é certa: primeiro serão usados pelos passageiros os vouchers oferecidos pelas companhias, antes da compra de novas passagens.  A distância social e as reuniões remotas, sem a necessidade da presença física dos participantes, poderão reduzir as viagens de negócios. E, no caso das viagens de lazer, quanto os clientes terão de dinheiro para pagar para visitar seus parentes e amigos distantes ou passear? Funcionários desejarão tiras as férias que haviam sido postergadas, mas, até que ponto o “Fator Medo” retardará a velocidade de recuperação das viagens aéreas?

Antes que os aviões voltarem a voar, será urgente que voltem a passar por manutenção, aumentando a demanda por esses serviços. E, para voá-los, os pilotos que não tiverem sido demitidos das empresas que não decretarem falência precisarão ser treinados de novo, aumentando a demanda urgente por treinamentos diversos, inclusive, com simuladores de voo.

Aeroportos

(foto: divulgação GRU Airport)

O tráfico doméstico representa cerca de 58% da demanda dos aeroportos em todo o mundo, e será o que primeiro recomeçará. Já o tráfico internacional terá uma retomada mais lenta, à medida que os países forem reabrindo suas fronteiras. Isso impactará diretamente também as áreas comerciais dos aeroportos, principalmente os duty-frees. Pode-se, também, esperar medidas sanitárias mais exigentes. A tecnologia que foi se desenvolvendo ao longo dos últimos anos deverá considerar isso, também, para manter ao máximo a agilidade adquirida no processamento dos embarques e desembarques dos maiores terminais. As mesmas medidas sanitárias irão exigir mais espaço para as barreiras de segurança. Já no transporte cargueiro, a expansão do e-commerce exigirá novos centros de distribuição próximos às TECAs.

Tudo isso acontecerá em um contexto global, necessitando-se atualizar alguns acordos bilaterais e direitos de tráfego entre nações, como é o caso das nove Liberdades do Ar.

O painel de discussões também prevê regras mais liberais sobre o controle e a propriedade das companhias aéreas, especialmente nos países  incapazes de apoiar financeiramente suas próprias transportadoras nacionais. Além disso, dada a importância da carga aérea para manter as cadeias de suprimentos funcionando, governos podem desejar revisar os acordos internacionais que regulamento os voos cargueiros.

Treme-se que todo o progresso alcançado nos últimos 25 anos no sentido de liberalização do setor de transporte aéreo seja revertido caso muitos países procurem proteger suas companhias nacionais.É unanimidade que os governos também precisarão ajudar os provedores de serviços de navegação aérea, cuja receita foi reduzida diante da menor quantidade de voos. Os serviços de informação e navegação aérea podem vir a ser compartilhados por países vizinhos, aproveitando-se os avanços tecnológicos, e ajudando a reduzir os custos globais.

No Brasil

(foto: Afonso Delagassa)

Segundo informações da ANAC, a queda da demanda, medida em passageiros/ quilômetros pagos (RPK), por voos no mercado doméstico foi de -32,9% em março, na comparação com mesmo mês de 2019. Com a retração, decorrente da emergência causada pela pandemia relacionada ao novo coronavírus, foram transportados no mês passado 4,9 milhões de passageiros – em igual período do ano anterior, foi registrado o total de  7,7 milhões de embarques registrados.

A oferta de voos no mercado doméstico (calculada em assentos quilômetros ofertados - ASK) também caiu no período comparado, com redução de 24,6%. A taxa de ocupação (aproveitamento) dos assentos oferecidos nas aeronaves das principais empresas brasileiras ficou em 72,1% em março deste ano, uma queda de 11% em relação aos 80,9% verificados no mesmo mês de 2019. Os números de abril ainda não foram apurados.

A ANAC acompanhou a construção de uma malha essencial a partir de 28 de março. Com redução de 91,6% em relação a originalmente prevista pelas empresas para o período, o número de voos semanais previstos até o fim de abril passou de 14.781 para 1.241. A distribuição dos voos pelas capitais dos 26 estados atendeu a preocupação do Governo Federal de manter uma malha que continuasse integrando o país, com ajustes para que nenhum estado ficasse sem pelo menos uma ligação aérea.

A retração da demanda foi ainda maior em relação aos voos internacionais, cuja demanda caiu 42,4% em março, na comparação com mesmo período do ano passado, e a oferta registrou retração de 30,1%, na mesma base de comparação. Foram transportados 44% menos passageiros pagos em março de 2020, com taxa de ocupação das aeronaves de 66,7% (-17,6%), quando comparada ao mesmo mês de 2019.

A participação de mercado doméstico de transporte aéreo por empresa ficou assim distribuída entre as principais empresas brasileiras em março de 2020: Latam com 38,2%; Gol com 37,0%; e Azul com 24,8%. Em razão da redução generalizada da procura por voos no período, as três aéreas registraram retração de demanda em marco deste ano na comparação com mesmo mês do ano passado: Latam (-19,5%), Gol (-27,1%) e Azul (-21,3%).

No mercado internacional, as três companhias brasileiras, Latam, Gol e Azul, também viram sua demanda cair em -45,3%, -44,1% e -34,6%, respectivamente, na comparação entre março de 2020 e o mesmo mês do ano passado. Latam e Gol perderam participação no mercado de voos internacionais, ficando com 20,6% (-5,1%) e 3,7% (-2,9%), respectivamente, em relação à fatia que detinham em março de 2019. Já a Azul aumentou sua participação em 13,6%, alcançando 4,7%.

Vamos todos continuar observando toda movimentação a respeito da saúde, economia, da política internacional e nas consequências para a aviação brasileira e mundial.

(foto: Afonso Delagassa)

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