"MILAGRE"??? COMO ASSIM???
(por Solange Galante)
Milagre a 11 mil metros: bebê nasce em avião durante voo da Qatar Airways
Ansiosamente, li o texto todo mas...
Cadê o tal "milagre"?
Resumindo o ocorrido: Uma cidadã tailandesa deu à luz um bebê com a ajuda de um outro passageiro (médico) e da tripulação de cabine de um avião da Qatar Airways, em um voo de Doha para Bangkok (Tailândia). O que fez os pilotos decidirem pousar o avião em Calcutá, na Índia. Mãe e bebê passam bem.
A propósito, a fonte original foi este link (https://www.indiatoday.in/india/story/thailand-woman-delivers-baby-on-board-qatar-flight-kolkata-airport-1643087-2020-02-04).
Que em momento algum compara o caso a um "milagre".
O fato (uma criança nascer saudável em um avião, em voo) é taããããão "miraculoso" que no dia 9 de dezembro de 2019 ocorreu também em um voo da Gol entre Rio de Janeiro e Santiago do Chile. O Boeing nem saiu do espaço aéreo brasileiro, e o avião pousou em emergência em Porto Alegre. Mãe e bebê também passam bem. O pouso de emergência é padrão quando pacientes precisam de cuidados médicos especiais, sem que isso signifique que o voo tenha corrido riscos.
Bebês não nascem apenas em hospitais ou em casas. Também nascem em carros de polícia, ambulâncias, na rua, em barcos, trens, mesmo em elevadores. Isso tudo é raro, inusitado mas, para ser milagre, ou seja, significado emprestado de religiões e definido normalmente como "acontecimento extraordinário, incomum ou formidável que não pode ser explicado pelas leis naturais" (conforme vários dicionários que consultei) tem uma distância pra lá de grande. Quilométrica...
Conforme o link http://igor.gold.ac.uk/~co304so/skyborn.html, o primeiro caso registrado de parto a bordo ocorreu no longínquo 1929 – há quase cem anos! E só na British Airways, cinco nenês nasceram em seus aviões, desde 1990. O site informa que nascimentos nunca foram devidamente catalogados pelas companhias aéreas mas pelo menos 48 (antes do caso da Qatar) já haviam sido registrados.
(Crédito: http://igor.gold.ac.uk/)
.Mas o site abaixo atingiu seu objetivo: chamou a atenção, prendeu a atenção do(a) leitor(a). Usando, porém, o recurso do "Sensacionalismo".
O ícone do sensacionalismo impresso (não aeronáutico), hoje já extinto, chamava-se Notícias Populares. Um jornal de São Paulo que tinha o seguinte lema "Nada mais que a verdade" (Será...?).
Algumas de suas manchetes históricas:
"Nasceu o diabo em São Paulo"
"Papai Noel assassinado no pacotão do governo"
"Broxa torra o pênis na tomada"
"Cobra na privada ataca moça pelada"
Nada mais do que a verdade? Sobre o título acima citado ""Nasceu o diabo em São Paulo", tratava-se, na verdade (Ver-da-de) de um pobre bebê que havia nascido com deformações. E os jornalistas do NP aproveitaram-se dele para inventar uma série de reportagens que iam se desenrolando no decorrer das edições. Para os leitores, os fatos eram apresentados realmente como verídicos. Ah, o mais famoso apelido do NP era "Espreme que sai sangue"...
Da mesma maneira o jornal alemão Bild, que existe até hoje, escreveu na década de 1980 que piranhas, de um aquário de uma exposição, haviam praticamente dilacerado a mão de um expositor, mas ele havia apenas levado UM (um único) ponto no dedo ao inadvertidamente ter colocado a mão no aquário numa transferência dos peixes... e isso ocorrera oito anos antes! É que o objetivo era dar audiência à exposição de peixes na Alemanha (e deu!!!).
Esse é o resultado do "Tudo por mais audiência, mais vendas, ou mais curtidas e visitas." Prática que costuma ser (muito) recorrente, contínua.
Considerando que a aviação ainda é o meio de transporte mais seguro do mundo (depois do elevador), mas, ainda assim, tem um grande índice de letalidade dependendo da maneira em que ocorre o acidente, muito mais miraculosas são as sobrevivências, isto sim, como as relatadas no link a seguir da Revista Veja, como por exemplo, o caso da aeromoça Vesna Vulovic que, em 1972 caiu, pasmem, de um avião (que explodiu) a 33 mil pés sobre uma montanha de neve. Ela se quebrou toda, mas sobreviveu sim. Inclusive, é dela ó recorde mundial de sobrevivência da maior queda sem para-quedas, como diz a revista.
https://veja.abril.com.br/mundo/na-historia-da-aviacao-apenas-13-sobreviveram-sozinhos-a-desastres-aereos/
Voltando à matéria que é o objeto dessa análise, conversando com amigos e também colegas eles tiveram a mesma percepção que eu: esse nascimento dentro do Boeing da Qatar Airways poderia ser considerado "milagre" se, por exemplo, o bebê nascesse vivo, até por força do impacto, durante a queda do avião. Isso já aconteceu num acidente rodoviário ocorrido em 2018 na Rodovia Régis Bittencourt mas é muito mais improvável num acidente aéreo pela muito mais violenta desaceleração.
A imprensa sensacionalista sempre tem e terá seu público cativo mas, cada vez mais, leitores, espectadores, ouvintes, internautas etc buscam seriedade e correção. Pena que nem sempre a qualidade da audiência vence a quantidade de audiência.
Site que de uns tempos, vem trazendo altas piadas sem graça.
ResponderExcluir