quinta-feira, 18 de abril de 2019

SPEECH

UMA HISTÓRIA QUE QUASE FICOU ESQUECIDA

(por Solange Galante)

(Reprodução de foto de  Benito Latorre)

No final do ano passado, perdemos nosso amigo Benito Latorre, precocemente, precocemente demais. Uma pessoa educada, inteligente, excelente fotógrafo, muito conhecedor de aviação comercial. Certa vez, eu estava curiosa para saber de uma história de porta aberta em voo em um Boeing 727 em que o Benito estava. Numa noite em que estávamos eu e nosso amigo Carlos França jantando no restaurante oriental onde Benito trabalhava como sushiman, gravei seu depoimento. Para uma reportagem futura, talvez. E acho que agora chegou a hora.

"Na ida foi sossegado, problema nenhum... O avião estava com 164 pessoas a bordo" – não ficou claro, no depoimento, se eram apenas passageiros nesse cálculo – entre a primeira classe e a classe econômica... O avião da Fly era o PR-BLS. "Tinha primeira classe, era um ex-Continental Airlines. Na volta, em Fortaleza, o engenheiro de voo começou a pressurizar o avião em solo mas o avião não estava pressurizando, mas no cheque de portas estava acusando que estava tudo fechado. Então, o engenheiro disse que iria pressurizar em voo, após a decolagem."

Mas, antes mesmo da decolagem, segundo o Benito, dava para se ouvir um assovio. Até uma das aeromoças veio bater na porta dizendo “Comandante, tem um barulho muito estranho lá fora.” “Quando estiver pressurizado esse barulho some” – ele, então, garantiu.

“Aí, nós recebemos autorização para decolar, e na hora da decolagem, V1, velocidade de rotação, deu 'rotate', o engenheiro apertou o botão para pressurizar o avião, e nada. E eu lá na cabine só observando...”

Benito prossegue: “O avião decolou, a aeromoça veio bater na porta de novo. ‘Cmte, os passageiros estão se levantando, ‘tá um barulho incrível, insuportável, lá atrás!’. Aí o flight disse que iria lá atrás, na cabine de passageiros, ver” “Eu vou com o senhor”, disse o Benito.

O engenheiro, muito experiente na aeronave, saiu da cabine e percebeu que os passageiros estavam todos já se levantando das cadeiras, e repletos de medo.

“O 727 tem uma porta auxiliar atrás para o caso de pouso em aeroporto onde não tem equipamento de solo, abaixo da cauda e do motor número dois. Havia uma tampa que fechava ali, e nós fomos lá ver. Então vimos que tinha uma fresta aberta que passava um braço! ‘Por isso que o avião não ‘tá pressurizando. Onde há o extensor de porta, ele está fechado, mas aqui ele não fechou’ havia constatado o engenheiro. Era uma borracha que estava fora, essa borracha prendeu na porta e a porta não fechou totalmente. Quando estava a porta aberta, parecia que o motor estava lá do lado, na minha orelha... o revestimento acústico lá atrás é muito pouco.... Aí voltamos para a cabine e passamos a informação do que estava acontecendo para o comandante, que decidiu: ‘Vamos ter que voltar!’”

Segundo Benito me contou, o avião deve ter subido até pelo menos 8 mil pés. O 727 estava muito pesado e estava muito calor. Teve início o alijamento de combustível no ar. “Pois você não pode pousar a aeronave com o mesmo peso de decolagem, senão ela pode quebrar. Só após alijarem combustível o suficiente, pousaríamos em Fortaleza. O comandante colocou no transponder o código de emergência e fez uma órbita sobre o mar para alijar combustível, e depois retornamos a Fortaleza. O comandante pousou tranquilo, fez um pouso maravilha. E o avião ainda estava tão pesado que saímos na última intersecção,  no final da pista. Aí, na hora que o avião deu reverso, escutamos, da cabine mesmo, os passageiros se levantando e indo para frente, longe dos motores. Ou seja, quando o comandante deu o reverso e os passageiros começaram a ouvir o barulho lá dentro da aeronave, um tumulto  teve início... Depois, ficamos parados fora da posição de embarque e desembarque, que é chamada de área remota. A manutenção olhou o problema, até fechar a porta lá atrás, mas ficamos 40 minutos em solo. Porque o trem de pouso estava ainda com a temperatura muito alta, se a gente decolasse de novo, iria gerar mais atrito e poderiam estourar os pneus na decolagem. Ou, se recolhesse o trem de pouso de novo poderiam estourar os pneus lá dentro. Só sei que ao todo quatro pessoas desembarcaram do avião, não seguiram viagem. Saiu até matéria no jornal de lá.”

Benito estava viajando por conta dessa reportagem da revista Flap que foi publicada em março de 2001.






Registrada essa história! E que Benito, esteja onde estiver, continue curtindo aviação como nunca, pois ele sempre viveu intensamente essa paixão, em especial pelo Boeing 727! 

(foto: Solange Galante)

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