segunda-feira, 11 de março de 2019

Plantão Caixa Preta

***ENTREVISTA EXCLUSIVA***

PILOTO DA LION AIR
COMENTA O QUE TERIA ACONTECIDO
NOS DOIS ACIDENTES
ENVOLVENDO O BOEING 737 MAX 

(atualizada em 15 de março de 2019)



(por Solange Galante)

Após o acidente de ontem (10 de março) com um Boeing 737 MAX (ET-AVJ) da Ethiopian Airlines (voo ET302 entre Addis Abeba, Etiópia, e Nairobi, Quênia) que resultou em 157 mortes, conversei com um comandante que voa na Lion Air, empresa que sofreu o primeiro acidente com o novíssimo modelo 737 MAX (PK-LQP, voo JT610) em 29 de outubro do ano passado, que resultou em 189 mortes na Indonésia.

Ele é brasileiro, e voou em várias empresas aéreas no Brasil antes de se transferir para a Ásia e dá um pista sobre o que pode estar na raiz dos problemas ocorridos com a operação do novo modelo de avião: falta de treinamento específico. Ele apenas pede que não seja identificado.

Caixa Preta: O que estaria acontecendo com o Boeing 737 MAX?

Cmte: “A ‘suposta pane’creditada ao avião existe, mas a resposta está no check list : infelizmente, os pilotos parecem que não entenderam a pane.”

Caixa Preta: Como assim?

Cmte: “Se a pane foi a mesma do caso do nosso avião, ‘Airspeed Unreliable’ ela já está no QRH* desde o 737-200, mas, infelizmente ninguém treina. A gente vai para o simulador e são sempre as mesmas panes treinadas, fogo no motor, falha do motor e pane hidráulica, apesar de termos 17 recall itens no QRH

*O Quick Reference Handbook (QRH) contém todos os procedimentos aplicáveis para condições anormais ou de emergência em um formato fácil de usar. Em acréscimo, contém correções de dados de performance para condições específicas.

Caixa Preta: Desde o 737-200? Passando por todas as famílias 737?

Cmte: “A pane que está prevista no QRH desde o 737-200 chama-se 'Airspeed Unreliable' quando os computadores recebem informações diferentes e causam um acionamento de inúmeros alarmes que estão interligados entre si, e, neste caso, o QRH diz para desligar o Piloto Automático, o Auto Tthrottle os Flight Directors e voar o avião manualmente. Esta foi a pane reportada pelo Lion Air e o Ethiopian. Por que os pilotos não conseguiram voar o avião é que intriga todo mundo.

Caixa Preta: Então, desligando tudo dá para manter o controle do avião?

Cmte: “Sim mas a pane já existia. O que quero te explicar é que acredito que a tripulação do Ethiopian infelizmente não entendeu o que estava acontecendo e morreram todos. Os dois acidentes têm algo em comum, gente com pouca experiência. O copiloto, com apenas 200 horas, provavelmente nem sabia o que estava acontecendo A Boeing diz que sem o automatismo, você voa manualmente sem nenhum problema.”

Caixa Preta: Vocês aí na Lion Air também não recebem treinamento específico para essa pane?

Cmte: “Ninguém recebe. Eu soube de um colega que teve este treinamento graças a uma pane que houve na Gol, com um 737-800 novo com apenas um mês de Gol, de Congonhas para o Aeroporto Santos Dumont (felizmente, sem ocasionar um acidente). Devido a isso a Gol treinou os pilotos para essa pane e desde aquele dia ele entendeu que pode ocorrer com qualquer um e com qualquer aeronave independente da idade dela. O avião da Gol acabou pousando em Campinas (Viracopos).”

Caixa Preta: Então essa pane ocorreu na Gol, a companhia identificou o problema e deu o treinamento específico. O que, em tese, caso ela mantenha esse treinamento até hoje, a torna mais preparada para evitar um acidente semelhante?

Cmte: “Exatamente, no caso de pane de Airspeed Unreliable.”

Caixa Preta: E a Lion Air ainda não incluiu o treinamento?

Cmte: “Não, até agora, só falou que iria iniciar. Tem um sistema no MAX chamado ‘MCAS’ que foi introduzido para evitar que no voo Manual – e somente no voo Manual – caso o piloto eleve o nariz do avião em direção ao STALL o sistema trima o nariz do avão para baixo avisando ao piloto para tomar uma atitude. Se após 5 segundos nada for feito, o sistema trima nariz pra baixo novamente. Só que não perde o controle da aeronave se o piloto ‘voar o avião’ o que aparentemente não aconteceu na Lion e a Lion rapidamente colocou a culpa no avião invés de melhorar a instrução. Pode ter sido o mesmo caso da Ethiopian. Posso estar errado mas creio que, quando soltarem o relatório final, vão mandar mudar o treinamento chamando a atenção de que as duas situações podem ocorrer simultaneamente. Ou seja, o que aconteceu na Lion foi o seguinte: tiveram a pane de Airspeed Unreliable, os pilotos não entenderam nada da pane e ninguém voou o avião. Daí o sistema de proteção entrou em funcionamento e os pilotos estavam preocupados com a pane de Airspeed e deixaram o avião entrar num voo picado, do qual não saiu mais e entrou voando mar adentro. Este é o senso comum entre os pilotos.”

Caixa PretaVocê acha que os pilotos conseguiriam controlar mesmo o avião se tivessem tornado a pilotagem totalmente manual?

Cmte: "Eu acredito que sim, a grande incógnita é o quanto o sistema trimou a aeronave para baixar o nariz, pois, dependendo disso, o segundo piloto tem que ajudar usando o trimmer manual para trazer o estabilizador para uma condição que um ser humano normal possa atuar nele, pois fica muito pesado para trazer no braço. Sem alimentação elétrica, precisa usar uma alavanca (usada apenas para  'Non Normal Situations')." 

(Conforme as fotos abaixo, enviadas por nossa fonte)



Alavanca recolhida (perfil)



Alavanca pronta para uso (vista de cima)

Cmte: "O que me provoca fazer essa pergunta: 'Será que houve uma boa coordenação de cabine? Houve treinamento? Dai o motivo por que falei que o copila com 200 horas provavelmente nem sabia o que estava acontecendo."

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Afinal, porque o 737 MAX precisa da função MCAS, que pode ter sido a causa da pane ou ter contribuído para o acidente?

O MAX, evolução dos demais Boeing 737, utiliza os motores CFM LEAP-1B. Que está mais à frente do bordo de ataque das asas, o que afeta as características de manobrabilidade do avião, especialmente o controle em torno do eixo longitudinal (cabrar/picar, ou pitching). Daí os engenheiros da Boeing terem instalado no novo avião o MCAS (Maneuvering Characteristics Augmentation System) para compensar essa característica única durante o processo de certificação do 737 MAX. O MCAS é uma das funções do computador de controle de voo (FCC) e obtem dados der ângulo de ataque (AOA) do sensor esquerdo (vane) de AOA.

Lembro que todo modelo novo de avião ainda está passível a panes não detectadas na fase de desenvolvimento mas o treinamento é fundamental e, às vezes, as atitudes a serem tomadas já estão à disposição dos pilotos, como no QRH, um manual básico há décadas. Abaixo, páginas do QRH de um Boeing 737-200, conforme citado pela nossa fonte.





O depoimento desse piloto reforça a importância do TREINAMENTO sobre os mais diversos tipos de panes possíveis, especialmente diante do crescente automatismo dos aviões. Lembram do acidente com o American Airlines (DC-10-10) em 25 de maio de 1979 e do acidente com a TAM (Fokker 100) em 31 de outubro de 1996? Os pilotos também tomaram atitudes indevidas para as situações para as quais não haviam sido treinados. Esses exemplos dentre inúmeros outros. 

Enquanto se discute qual foi a pane e o que acontecerá com a Boeing e com seu 737 MAX 8  a partir de agora esquece-se que também é importante saber que o treinamento específico poderia ter ajudado aqueles pilotos, dos dois acidentes fatais, a voarem o avião, quiçá até conseguirem efetuar um pouso de emergência.

Fica o recado.

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