A REVOLUÇÃO DA “BARRIGA”
(por Solange Galante)
Os vistosos e gigantescos aviões cargueiros ganham cada vez mais a concorrência do avião que também transporta passageiros, pois eles estão cada vez maiores e também, digamos, mais “barrigudos”. Isso é bom ou mau para a indústria de logística?
Sempre atrelado aos altos e baixos da economia mundial, o mercado de transporte aéreo de cargas, que concentra principalmente produtos de alto valor agregado e com entrega urgente parecia estar vivendo um bom momento. Foi o que nos fez pensar Tony Tyler, diretor geral e CEO da IATA, a Associação Internacional de Transporte Aéreo, que afirmou, no princípio de 2015 que, após vários anos de estagnação, o negócio de carga aérea crescia novamente. Segundo dados apurados pela Associação, a demanda mundial havia crescido 4,5% em FTK em todo o ano de 2014, comparada a 2013. FTK ou freight tonne kilometers, significa uma tonelada de carga transportada por um quilômetro, medida padrão usada no tráfego aéreo de cargas: multipliando-se a quantidade de carga pela distância em que foi transportada obtém-se a quantidade FTK. O crescimento representou uma aceleração significativa a partir dos 1,4% registrados em 2013 sobre 2012. O aumento foi registrado em todas as regiões do mundo, especialmente na Ásia-Pacífico e Oriente Médio, que contribuíram respectivamente em 46% e 29% na expansão em FTKs. Houve também crescimento na América Latina, embora ele tenha sido particularmente fraco – apenas 0,1%. O setor transporta mercadorias que representam cerca de 35% do valor total do comércio em todo o mundo, desde semicondutores para iPads até vinhos beaujolais nouveau da última safra. Em 2012, o valor médio de cada quilo de carga transportada pelo modal aéreo era de US$ 127, enquanto o valor da carga marítima era de aproximadamente US$ 1.10, segundo um estudo da fabricante de aeronaves Airbus.
A preocupação quanto ao desempenho do transporte aéreo cargueiro era bem visível ao se comparar o crescimento mundial de tráfego de cargas de apenas 2,2% no período entre 2007 e 2012, segundo a IATA, em relação ao crescimento mais vigoroso do tráfego de passageiros, quando a taxa média de aumento foi de 4,7% em cinco dos seis anos daquele período. No ano passado, em RPK, a demanda para o transporte de passageiros cresceu 5,9% em comparação a todo o ano de 2013, acima da média anual dos últimos 10 anos (5,6%) e do crescimento de 2013 em relação a 2012 (5,2%). RPK significa revenue passenger kilometers ou passageiros por quilômetro transportados, e é a multiplicação do número de passageiros pagantes pela distância de cada voo. O tráfego de passageiros tem desfrutado de uma recuperação consistente desde meados de 2009, enquanto o de carga, após a crise global de 2008/2009, recuperou-se rapidamente em 2010 antes de voltar a cair e então ficou estagnado em grande parte dos últimos anos.
ESTÁ SOBRANDO AVIÃO?
Alexandre de Juniac, CEO do Grupo Air France-KLM, alertou, em junho passado, sobre o crescimento da sobre-capacidade em voos transatlânticos, o que ameaça, segundo ele, o saudável desempenho financeiro nessas rotas. "O mercado todo vai sofrer", ele acrescentou.
Em aviação comercial, tudo gira em torno do load factor, o fator de carga ou de aproveitamento, ou seja, quanto menos espaço vazio (seja no transporte de passageiros ou carga), melhor. No mercado global de carga aérea ele pairava em torno de 46% nos anos que antecederam a crise financeira global de 2008, mas caiu para 39% no final daquele mesmo ano, segundo a IATA. Houve, em seguida, uma recuperação rápida que a fez saltar acima de 50% em meados de 2010, mas seguida de nova queda para 45% ou 46% até 2012e teimou em permanecer neste patamar por quase dois anos, até ressurgir a tendência ascendente em 2014, que elevou o load factor para 49,2% no ano passado. Mas a IATA, por meio de seu documento Cargo eChartbook referente ao segundo trimestre de 2015, divulgou que o load factor permanece em queda em 2015, tendo sido de 44.3% em maio e 43.2% em junho passado. Segundo análise da Associação, os atuais baixos preços dos combustíveis podem fornecer um “alívio temporário” para algumas operadoras, mas não deverá ter um impacto duradouro sobre a rentabilidade do negócio de carga, como reduções de preços que sejam repassadas aos clientes, mas há um alerta no ar: “Um impacto favorável sobre o desempenho financeiro do negócio de carga só será alcançado se houver juntamente redução de capacidade.” O que significa que, embora a demanda de mercadorias que necessitam voar continuava positiva, o excesso de capacidade resulta em baixo aproveitamento e pressiona para baixo o “yield”, ou seja, o retorno de um investimento.
Em aviação comercial, tudo gira em torno do load factor, o fator de carga ou de aproveitamento, ou seja, quanto menos espaço vazio (seja no transporte de passageiros ou carga), melhor. No mercado global de carga aérea ele pairava em torno de 46% nos anos que antecederam a crise financeira global de 2008, mas caiu para 39% no final daquele mesmo ano, segundo a IATA. Houve, em seguida, uma recuperação rápida que a fez saltar acima de 50% em meados de 2010, mas seguida de nova queda para 45% ou 46% até 2012e teimou em permanecer neste patamar por quase dois anos, até ressurgir a tendência ascendente em 2014, que elevou o load factor para 49,2% no ano passado. Mas a IATA, por meio de seu documento Cargo eChartbook referente ao segundo trimestre de 2015, divulgou que o load factor permanece em queda em 2015, tendo sido de 44.3% em maio e 43.2% em junho passado. Segundo análise da Associação, os atuais baixos preços dos combustíveis podem fornecer um “alívio temporário” para algumas operadoras, mas não deverá ter um impacto duradouro sobre a rentabilidade do negócio de carga, como reduções de preços que sejam repassadas aos clientes, mas há um alerta no ar: “Um impacto favorável sobre o desempenho financeiro do negócio de carga só será alcançado se houver juntamente redução de capacidade.” O que significa que, embora a demanda de mercadorias que necessitam voar continuava positiva, o excesso de capacidade resulta em baixo aproveitamento e pressiona para baixo o “yield”, ou seja, o retorno de um investimento.
O citado aumento no fator de carga em 2010, chegando a 50%, coincidentemente, não foi motivado apenas a um salto na demanda mas também a um corte no tamanho da frota de cargueiros. Uma tendência ainda em curso em algumas companhias e regiões. Pergunte, então: porque o aproveitamento passou a cair depois e não voltou aos 50%? Vamos tentar responder.
Enquanto a carga se comportava dessa maneira, o transporte de seres humanos – os passageiros – manteve uma tendência ascendente, especialmente a partir da década anterior, avançando sobre a atual, e, em 2014, o load factor no mercado de passageiros chegou à média de 79,7% segundo a IATA. O que tem ocorrido nas últimas décadas é um aumento da frota de widebodies à disposição dos passageiros. Esses aviões com dois corredores e grande capacidade tornaram-se a base da frota de muitas companhias aéreas e eles são maiores internamente inclusive naquele espaço que os passageiros não ocupam, os porões, jamais preenchidos unicamente por malas e bagagem em geral. Todo espaço ocioso, em aviação, precisa ser muito bem aproveitado e hoje são essas “barrigas” imensas que carregam a maior parte da carga aérea do mundo, bem como representam hoje a maior parte da capacidade para carga aérea disponível.
Voltando ao aproveitamento na indústria de carga aérea, o ideal para aumentá-lo, como recomendou a IATA, seria não só maior demanda mas também corte na disponibilidade de espaço. O tamanho da frota global cargueira – falando aqui apenas em aviões puramente cargueiros, também chamados de cargueiros dedicados ou freighters – tem se reduzido desde 2005, especialmente desde a crise financeira global 2008-2009. Entretanto, a frota de aviões de fuselagem larga para passageiros, com seus grandes porões, tem continuado a crescer impulsionado pela crescente demanda no transporte de pessoas, e, embora as companhias aéreas tomem medidas para reduzir sua capacidade de transporte de carga, o consequente aumento da capacidade de transporte nas “barrigas”, tem combatido qualquer efeito positivo sobre o load factor de carga.
Portanto, a indústria de cargas está passando, desde 2010, por uma grande transformação, impulsionada justamente pelo advento dos chamados novos aviões widebodies para passageiros, como os Boeing 777 e 747-8 e Airbus A380. Para comparação, um Boeing 737-300F (totalmente cargueiro) como usado pela brasileira Sideral Air Cargo carrega 20.800 kg de carga paga em seu interior. E só o porão de cargas de um widebody Boeing 787-8 Dreamliner pode transportar cerca de 15 toneladas, além de cerca de 240 seres humanos pagantes. E o porão de um Boeing 777-300ER é tão espaçoso que pode transportar 202 m3 – 25 % mais que o porão de um quadrijato Boeing 747-8. E o 777 pode transportar ainda 386 pessoas.
Os aviões para passageiros estão maiores e o espaço para carga neles, também.
(foto: Divulgação Emirates Airline)
Uma característica importante a se registrar também é que, enquanto pessoas vão e voltam, a carga só viaja em uma direção, ela normalmente vai e fica no destino, e isso torna difícil preencher as duas pernas de um voo exclusivamente cargueiro entre as regiões onde o fluxo de mercadorias não é igual em ambas as direções. Um exemplo é o que ocorre no Brasil “Aqui realmente a concorrência está grande e o problema maior é em termos de balança comercial: você tem muito mais importação do que exportação”, afirma Vanderelei Morelli, gerente no Brasil para a Centurion Cargo, empresa norte-americana que realiza dois voos semanais desde Manaus, dois desde o Rio de Janeiro (Aeroporto do Galeão) e três desde Campinas (Viracopos) para Miami, com Boeing 747-400F. “Os aviões chegam cheios, então você aumenta a quantidade de voos para trazer a carga, mas você não precisa ter a mesma quantidade de aviões para levar a carga.” O que significa que os aviões voltam praticamente vazios para a América do Norte, “batendo lata”. “Isso é típico de um país que trabalha somente com commodities.” Como ele explica, exportando apenas commodities, o Brasil tem sua balança comercial sempre com déficit, assim falta carga para exportação aérea, ela vai principalmente por navios, então, há essa descompensação, e ocorre uma guerra de tarifas em busca da carga. “Numa rota dos EUA, daqui para Miami o quilo está custando por volta de US$ 0,90 até US$ 1,00 enquanto que de lá pra cá gira em torno de US$ 2,50, US$ 2,80, porque a demanda de importação é maior.”
Mas, será que os porões trarão impacto para as tarifas de frete aéreo? Vanderlei acha que não há perigo de queda acentuada. Ele opina que, se a empresa baixar a tarifa para transportar a carga nos porões, poderá faltar espaço (capacidade) para ela transportar tudo dessa maneira e ela, então, reverterá a carga excedente para os cargueiros, com suas tarifas naturalmente mais caras. “É lógico que se ela tiver disponibilidade de todos os lados, a tendência é baixar de todos os lados também, tanto no cargueiro quanto no avião de passageiro, geralmente a tarifa de avião de passageiro é mais baixa, mas se ela começar a baixar muito o preço e o volume de carga que iria para os porões for superior à capacidade dela, ela mesma vai ter que subir a tarifa.”
A eficiência da carga de porão mudou completamente o mercado, como afirmou Andy M. Mansell, vice-presidente executivo da companhia de leasing internacional Aviation Capital Group e chefe de marketing global. O especialista em locação de aeronaves disse que o avião de passageiros grande (widebody) agora voa ponto a ponto, ao invés de saltar entre centros de distribuição (hubs). “No passado, esses aviões voavam entre hubs e aviões menores transferiam a carga para outros destinos, mas agora esses grandes aviões podem eles próprios voar diretamente”. Fatores ligados a isso são aumento das pistas dos aeroportos e mesmo novos aeroportos, novas tecnologias utilizadas nos próprios aviões etc.
A migração da carga aérea dos chamados main-deck (deques principais) dos cargueiros puros para os porões (bellies) sob os passageiros deveser uma tendência sem volta, iniciada ainda lentamente quando do início das operações do Boeing 767, na década de 1980, e ampliada com a entrada no mercado e cada vez mais massificada de novas versões dos enormes Boeing 777 e 747 e dos Airbus A350 e A380, aliás, aviões de novíssima geração, altamente eficientes no consumo de combustível e menos poluentes. Os Boeing 747-400 e MD-11, que até recentemente eram considerados as estrelas da aviação cargo, começam a ser estocados em terra (“groundeados”), pois está ficando cada vez mais difícil manter cargueiros puros lucrativos, especialmente aviões como esses dois modelos, que possuem quatro e três motores, respectivamente, menos modernos e menos vorazes no consumo. Os novos aviões de dois corredores, na maioria das vezes, possuem apenas dois motores muito eficientes, apresentando melhor desempenho e menores custos e, neles, os passageiros ajudam a bancar a operação cargueira, por isso eles têm atraído o transporte de cargas maiores, a maior parte daquelas que seguiam pelos cargueiros puros, especialmente em voos mais longos, já que, além de possui mais espaço de porão, são aeronaves intercontinentais com alcance cada vez maior.
O McDonnell Douglas MD-11 já está se tornando muito ultrapassado.
(foto: Solange Galante)
(foto: Solange Galante)
TRANSPORTADORAS CARGUEIRAS DE BAIXO CUSTO?
Falando em um simpósio recente da IATA sobre carga aérea, o presidente e CEO da mega-transportadora FedEx, Frederick W. Smith, disse que os novos widebodies criarão cada vez mais transporte de baixo custo – semelhante ao que ocorre no transporte de passageiros – nos porões e mais pares de origem-destino para as cargas. “Um novo B777 cargueiro voando de Hong Kong para Anchorage custa US$ 30,000.00 menos para operar do que suas contrapartes de B747-400 na mesma rota, enquanto estiver com quase a mesma carga. Claro, com a mesma economia, embora não com a mesma capacidade de carga, se aplica à versão de passageiros do 777.” “Os mais novos widebodies podem transportar 20 a 30 toneladas de carga além de também uma cabine completa de passageiros”, como lembra Stanley G. Wraight, diretor executivo e co-fundador da consultoria SASI (Strategic Aviation Solutions International), de Hong Kong. Em comparação, um 747-400F transporta cerca de 100 toneladas, então três aviões 777 de passageiros podem manipular o equivalente ao velho cargueiro. E a frequência dos voos de passageiros nas rotas mais disputadas derrota praticamente qualquer serviço de cargueiro puro no mercado hoje.
Pode-se argumentar que qualquer volume de carga contribui para impactar os custos operacionais de funcionamento da aeronave de passageiros e o conceito de load factor de frete de porão é mais teórico, devido às bagagens que vão junto. Transportar carga nos porões, além dos passageiros lá na cabine, em um mesmo avião, evita que exista a preocupação com o aproveitamento relacionado à carga aérea, tanto na perna de ida quanto na de volta. Com isso, as companhias aéreas de passageiros tendem a tratar a carga como uma renda extra e, como resultado, o diferencial entre as taxas dos porões e cargueiros puros pode ser enorme. “O custo do frete para um avião de passageiros pode ser 50 a 70 centavos de dólar, o quilo” calcula Stanley Wraight, “então você pode vendê-lo por 90 centavos, lucrando 20 centavos.
Mas Adalberto Febeliano, consultor de aviação e vice-presidente comercial da Modern Logistics, mais nova empresa cargueira brasileira, não acredita que ocorrerá queda de tarifas por causa dos porões. “O sistema é auto-regulado. Eu acho que essa depressão nas tarifas é muito mais fruto da economia mundial que anda patinando nos últimos anos do que efetivamente só da entrada dos porões nos aviões de passageiros. Se você for olhar, lá em 2008, 2009, despencou o volume de carga transportada, em função da crise que se viveu na época. Depois, esse volume foi se recuperando e está crescendo o número de voos.” Ele lembra que os Estados Unidos já estão retomando o crescimento, o que aquece bastante o mercado de carga aérea internacional. “Para você ter uma ideia, conversando com um executivo de uma empresa internacional que opera aqui no Brasil, ele me disse que a empresa dele oferecia transporte de carga da Ásia para Manaus, e entregava D+1 (dia seguinte ao do embarque), via Europa, e vindo a favor do fuso horário. Mas, o que aconteceu? Com a crise, o volume de carga aérea entre a Ásia e a América do Norte caiu muito, e então, as tarifas nessa rota caíram bastante, e quem usava essa rota através da Europa para chegar até Manaus passou a usar outra rota, através da América do Norte, tendo a entrega passado a ser D+2, +3, mas pagando muito menos pelo frete.” Então, Febeliano conclui, até que se tenha um aumento na demanda que encha mais os aviões de maneira generalizada, haverá esse comportamento tarifário mas não por excesso de capacidade, mas pela regulação da própria economia. “Por isso, acho um pouco exagerado dizer que há hoje excesso de capacidade.”
SEM CARGUEIROS, COM CARGUEIROS
“Widebodies são aviões imensamente capazes”, diz o analista de indústria de linha aérea Robert Mann, presidente da consultoria empresa R.W Mann & co. “Uma vez que você tem uma rede operando grandes aviões para passageiros, você pode começar a fornecer um serviço de carga dentro da mesma sem voar um avião de carga.”
O tamanho do porão proporciona transportar carga otimizada, em contêineres e pallets – aqueles estrados que acomodam a carga – de tamanhos específicos, como ocorreria nos cargueiros dedicados – aliás, não é nada confortável transportar grande volume de itens de grande valor agregado (celulares, micro-processadores, HDs etc) em caixinhas expressas, como ocorre em grande parte do transporte doméstico brasileiro, por exemplo. “No Brasil os voos domésticos são majoritariamente feitos por aviões de fuselagem estreita e eles não trabalham com carta otimizada no porão, então, você pega um Boeing 737 para passageiros, por exemplo, ele é carregado manualmente. O porão dos aviões de passageiros é muito importante, porque ele oferece uma capilaridade muito grande, já que as empresas voam para perto de 100 cidades no país, mas há empresas que não oferecem padrão de qualidade de transporte que atenda a todo o mercado” diz Febeliano.
Mas, no Brasil, já começam a chegar widebodies para empresas que não transportavam carga palletizada. Isso está acontecendo com a Azul Linhas Aéreas. Até recentemente, ela se preocupava apenas em transportar pessoas com aeronaves fabricadas pela Embraer com capacidade para até 118 passageiros e capacidade irrisória no porão, ocupado apenas com pequenas cargas expressas. Porém, desde o final de 2014 opera seis Airbus A330-200 com capacidade para 272 passageiros e 37,5 toneladas de carga paletizada no porão, voando entre Campinas e Flórida (EUA).
Ela poderia ter seguido o caminho da Avianca Brasil, que recebeu em abril de 2014 um cagueiro puro A330-200F com capacidade de carga de 68 toneladas e já transporta diariamente produtos industriais feitos na Zona Franca de Manaus dos mais diferentes segmentos, de televisões a motocicletas, para São Paulo (Aeropoto de Guarulhos) Na rota inversa, transporta produtos de São Paulo para Manaus, também é operada pela companhia. A Avianca Cargo, unidade de transporte de cargas da Avianca Brasil, iniciou a operação com o A330 cargueiro em outubro de 2014.
A Avianca Brasil já opera seu primeiro Airbus A330F cargueiro puro.
(foto: Rosvalmir Afonso Delagassa)
Por sua vez, grandes companhias aéreas dos EUA pertencem ao time das empresas que não querem saber de cargueiros puros, e isso ocorre há muitos anos – não há cargueiros puros nas empresas American Airlines, Delta Air Lines, United Airlines, só para citar algumas. “A American Airlines Cargo não tem aeronaves de carga, mas os acordos interline continuam sendo um ponto-chave de nossa estratégia” informou a American Airlines Cargo por meio de sua assessoria. “Nós utilizamos um grupo especial de parceiros interline – dos quais muitos operam cargueiros – para apoiar nossa rede atual e permitir que satisfaçamos as necessidades dos clientes.” Ele explica que, de maneira geral, cada tipo de transporte de carga tem pontos fortes e fracos, e como uma aérea cargueira, a habilidade da AA Cargo de repartir custos, manter uma rede forte e ter um itinerário confiável, lhe permite operar de maneira que outras empresas de cargas não podem. Na frota da American Airlines, onde é transportada a maioria das cargas movimentadas pela AA Cargo, há aeronaves para voos de longa e média distâncias, além de regionais. São mais de 6.700 voos diários e serviços cargueiros em 339 aeroportos em 54 países. Só no Brasil são seis cidades – Confins, Guarulhos, Rio de Janeiro, Curitiba, Campinas e Porto Alegre – conectadas a Miami, Nova York, Dallas/Fort Worth e Los Angeles.
A American Airlines aposta há muitos anos nos porões de suas aeronaves para passageiros.
(foto: Divulgação American Airlines)
Mas a maioria das empresas aéreas internacionais que transportam cargas possuem frotas mistas. Dentro do Grupo Lufthansa, a Lufthansa Cargo foi criada em 1994 como unidade independente para cuidar do transporte de cargas em cargueiros puros próprios e também vende espaço para cargas nos porões das aeronaves de passageiros de todas as empresas do Grupo, como a própria Lufthansa, a Swiss e outras, além de parcerias. Durante vários anos ela operou 18 trijatos MD11F, mas iniciou a renovação dessa frota em 2013, com a escolha do Boeing 777F para substituí-los gradativamente e alguns deles já estão em operação. “Este novo cargueiro possui uma capacidade de cargas de 105 toneladas, um ganho médio de 10 toneladas de capacidade por voo” diz Eduardo Faria, diretor regional de vendas e especialista em Marketing da empresa alemã. Assim como o Boeing 747-8 para passageiros, que também já começou a ser incorporado à frota da Lufhtansa, o cargueiro 777F também possui uma tecnologia moderna, sendo mais econômico no consumo de combustível. No Brasil, a empresa cargueira alemã opera atualmente cinco frequências cargueiras semanais, sempre com cargueiro McDonnell Douglas MD-11F, entre Viracopos e Frankfurt sendo dois desses voos via Curitiba e Dacar, dois via Montevidéu e Dacar e um via Natal e Dacar – Natal foi inserido na malha em sete de junho passado. A Lufthansa Cargo transporta cargas nos aviões de passageiros da Lufthansa nos voos diários entre Guarulhos e Frankfurt, Guarulhos e Munique e Galeão de Frankfurt com aeronaves Airbus A340-300, Airbus A340-600 ou Boeing 747-8, além de voos da Swiss entre Guarulhos e Zurique (entre sete e dez por semana), também com widebodies A340.
A Lufthansa Cargo tem aviões cargueiros próprios e também utiliza os porões de aviões de todas empresas do Grupo Lufthansa.
(foto: Solange Galante)
Entre as empresas sul-americanas, a TAM Cargo, do Grupo Latam, também operam o transporte de cargas combinando o uso dos porões das aeronaves de passageiros de todas as empresas do Grupo e dos cargueiros próprios. “As empresas consideram este modelo de negócio robusto, pois permite uma grande capilaridade para mais de uma centena de rotas turísticas, ao mesmo tempo em que assegura o atendimento a regiões com alta demanda por cargas, como Manaus” afirmou Luis Quintiliano, diretor-geral da TAM Cargo. Mas ela também anunciou, no começo deste ano, sua estratégia de redução da frota de cargueiros em prol de mais transporte de cargas na “barriga” dos seus aviões de passageiros, para garantir uma operação cargueira rentável em 2015. Os motivos foram os já expostos nesse artigo: a transportadora tem observado em muitos mercados o crescimento da capacidade de porão aliada a uma demanda mais fraca na maioria dos mercados, reduzindo as taxas de transporte de carga. Na verdade, a empresa tem monitorado constantemente o mercado e adequado preços e capacidade aos momentos específicos, especialmente na América Latina, com seu reduzido crescimento em relação a outras regiões do globo. Antes do processo de fusão com a brasileira TAM, iniciada em 2012, a chilena LAN operava uma significativa frota de cargueiros puros, composta por onze Boeing 767-300Fs e quatro Boeing 777Fs, alguns em suas subsidiária LAN Cargo e os outros colocados com transportadoras afiliadas na América Latina. Estes cargueiros carregavam 60% de sua demanda. Considerando que a TAM não tinha nenhum cargueiro dedicado, após a fusão, a LAN passou a deslocar sua carga de e para a Europa – a empresa brasileira alcança mais destinos que a chilena no velho Continente – para os porões dos aviões da TAM e, com isso, sua necessidade de cargueiros diminuiu, tanto que a LAN retirou de sua frota três dos 767 cargueiros, que repassou a outras empresas, como a norte-americana FedEx, por leasing. Segundo Guido Henke, Diretor da LAN Cargo Europa. no incício de 2015, apenas 35% da carga passou a voar em cargueiros, enquanto 65% é transportada no ventre dos aviões de passageiros. Concordando com o que disse Quintiliano, da TAM-Cargo, ela afirma: “Esta mistura de porão com cargueiro é um componente importante para a nossa estratégia.” A frota de cargueiros da Latam pode estar encolhendo, mas a empresa em breve receberá mais aeronaves Boeing 787 Dreamliner e Airbus A350-900 à sua frota, adicionando mais capacidade de carga de porão à malha.
Após a fusão com a LAN, a TAM começou a operar aviões full freighter.
(foto: Solange Galante)
CARGUEIROS CORREM RISCO DE EXTINÇÃO?
Na década de 1990, operar um cargueiro era um sinal que uma transportadora levava carga “a sério”. A frota de cargueiros cresceu rapidamente e a previsão da Boeing dizia que ela iria dobrar de tamanho em 20 anos. Mas na verdade desde 1999 a frota mal cresceu – de 1.676 aeronaves como constava na World Air Cargo Forecast de 2000-2001 da fabricante norte-americana, somente chegou a 1.740 no documento Current Market Outlook da mesma Boeing, pouco mais de uma década depois. E é fato que, de acordo com dados da IATA, em 2007 a frota de aeronaves widebodies para passageiros já havia ultrapassado a frota de cargueiros puros em serviço no mundo, passando de 3.100 aeronaves também para passageiros em dezembro daquele ano, quando os aviões “F” mal atingiam três mil unidades em operação. E a quantidade dos widebodies só disparou, a partir daí, alcançando em agosto do ano passado perto de 3.700 aviões, contra menos de 2.700 de aviões cargueiros puros. As vendas de aeronaves widebodies de passageiros entre 2006 a outubro de 2014 conforme informado pela Boeing e Airbus totalizou mais de 3.200 aviões.
Estarão os cargueiros puros em irrecuperável risco de extinção? Olhando para o futuro, com a previsão originária em março de 2013 de 230 widebodies freighters a saírem das linhas de produção em quatro anos, aparentemente ainda estamos em uma era de ouro para os cargueiros, principalmente pela maioria de sua frota ser de modelos mais eficientes como os Airbus A330-200F, Boeing 747-8F e Boeing 777F. Porém, a indústria de carga aérea está sofrendo de uma crise de confiança nas aeronaves “F” pois muitas transportadoras que investiram nelas parecem estar lutando para conseguir um retorno sobre o capital próprio, e aqueles que tenham se livrado deles parecem não estar sofrendo efeitos nocivos. Então é melhor viver sem os freighters?
Andrew Herdman, diretor geral da Association of Asia Pacific Airlines (AAPA), é do time que defende que, hoje, há aviões cargueiros demais no mundo. “Os cargueiros em serviço são provavelmente 25% mais do que o necessário”, disse. Para John Mc Donagh, agente de carga da Worldwide Flight Services e articulista do site Cargoforwarder.eu, várias empresas mostram-se interessadas em preencher a capacidade dos porões de seus B777 de passageiros, por exemplo, antes de pensar em lotar os aviões cargueiros puros.
Aviões cargueiros têm realmente algumas vantagens sobre os modelos de passageiros, incluindo portas maiores e a flexibilidade de voar nos horários que não são populares entre os viajantes, mas eles “operam a custos unitários mais elevados já que a carga precisa pagar pela operação integral do avião – a ida e a volta”, diz o analista David Vernon, da empresa de pesquisa de investimentos Sanford C. Bernstein & Co., Inc.
Um exemplo notório do pavor diante do custo dos cargueiros é do Grupo Air France/KLM, que está gradativamente desativando seus cargueiros-puros e empurrando as cargas para os porões. Devido a perdas sem precedentes causadas pela crise econômica global, o Grupo anunciou há alguns anos uma grande reviravolta da sua estratégia. As empresas passaram a ser mais agressivas na comercialização dos espaços nos porões de sua frota combinada com passageiros dos vários B747-400 Combis que a KLM está atualmente operando. “Primeiro vamos encher os porões de nossa frota, só depois vêm os cargueiros,” prioridade revelada pelo presidente Michael Wisbrun, da área de carga do Grupo AF-KLM, em uma reunião de imprensa realizada em Amsterdã em setembro de 2009. Ele acrescentou, na ocasião, que “até 90% do frete aéreo global pode ser bem transportado em porões de aviões para passageiros.” Ao mesmo tempo, ele disse que a Martinair Cargo tornar-se-ia o principal provedor de convés do trio que faz com a Air France e a KLM no grupo. A Air France Cargo manteria cinco cargueiros dentro de sua própria frota para oferecer serviços entre Paris e destinos na África, bem como nas rotas-tronco como Hong Kong, Chicago, Xangai, Houston, Guadalajara e cidade do México. De acordo com fontes próximas ao caso, o déficit registrado na divisão cargueira do Grupo foi de um recorde de € 363 milhões no primeiro semestre de 2009. Mas, na prática, a Martinair, absorvida pela KLM, não existe mais.
Em processo de desativação dos seus cargueiros, que podem ser extintos por completo em alguns anos, o Grupo Air France/KLM ainda opera alguns Boeing 747-400F.
(foto: Divulgação KLM Cargo)
Dentro do plano “Transform 2015” lançado pelo Grupo, em 2010, confrontados com a crise no setor, foi adotada uma nova estratégia de “priorizar porões e aviões combis”, com vista a otimizar a utilização das “barrigas” das aeronaves “passageiro”. O cargueiro puro da frota seria usado como um complemento para cobrir as rotas não servidas por voos transportando pessoas, ou levando produtos que não podem ser transportados nos mercados em que capacidade de porão não é adaptada à demanda. Em 2013, graças a todas estas medidas econômicas e comerciais, a empresa conseguiu reduzir suas perdas. No entanto, a reviravolta nos resultados foi insuficiente, e levou o Grupo a lançar em outubro de 2013 uma série de medidas adicionais e, em seguida, foi colocado em prática, no começo de setembro de 2014, o sucessor Plano Perform 2020, reduzindo ainda mais a capacidade cargueira. Para atingir a meta de apenas três cargueiros Boeing 747ERFs baseados em Amsterdã (uma das bases do Grupo) no final de 2016, cinco MD-11F serão retirados da frota e apenas dois cargueiros Boeing 777Fs permanecerão sediados em Paris (a outra base) – em 2013 a frota do Grupo era de 14 aviões dedicados, incluindo aeronaves MD-11F da empresa Martinair, pertencente à KLM.
Na opinião de alguns especialistas, isso pode se tornar uma tendência geral para todas as transportadoras operando frotas mistas entre aeronaves “F” e para passageiros. Como afirma Steve Gunning, CEO da IAG, grupo que comanda as companhias British Airways, Iberia e Vueling, excesso de capacidade e pressão sobre o “yield” são o novo padrão de normalidade com que a indústria de carga aérea deve conviver. O grupo decidiu mudar sua estratégia encerrando suas operações próprias com cargueiros em rotas de longa distância e focando em parcerias e produtos premium. “Acho que o novo normal é que você vai ter o excesso de capacidade no mercado e, portanto, o preço e o rendimento estará sob pressão na maioria dos mercados”, disse ele, que acrescentou que o trabalho da IAG Cargo é reagir a essa tendência e gerenciar o negócio, inclusive, se afastando de possuir cargueiros dedicados. Ele lembrou que, no passado, transportadoras diferenciavam-se umas das outras por operar muita capacidade de cargueiro, mas, hoje, a diferenciação é conseguida através da qualidade do portfólio de produtos e a amplitude da rede. Como qualidade de portfólio de produtos a IAG Cargo destaca, entre outros, suas mais de 100 estações com armazéns climatizados, essenciais para o transporte de perecíveis, por exemplo, além da ampla rede de rotas de alcance cargueiro em porões, inclusive. “Você precisa oferecer algo com um melhor padrão e amplitude. Isso é parte de nossa estratégia e manteremos foco nela.” A estratégia de parcerias resultou no recente acordo com a Finnair na operação cargueira entre Luton-Helsinki. “Eu acho correta a política das companhias que têm adotado esse procedimento” disse Vanderelei Morelli, da Centurion Cargo. “Para as companhias que têm essa condição, aviões de passageiros com porão com grande capacidade para o transporte de cargas e operando também cargueiros, é melhor otimizar e retabilizar muito mais um voo com passageiros do que manter uma operação cargueira meio deficitiária.”
A receita com passageiros alivia os custos do transporte cargueiro nos porões.
(foto: Divulgação Aeroméxico)
“Mas esse fenômeno não é novo” observa o consultor Adalberto Febeliano. Segundo ele, desde que surgiram os widebodies já começou a ter mais transporte de carga no porão dos aviões de passageiros, inclusive palletizado ou em contêiner. “Isso é uma tendência que vem de muitos anos.”
Andrea Paz Campos Valdes, chefe de assuntos corporativos da LAN Cargo afirma que sua frota de cargueiros não vai ser extinta por completo, pois certos mercados e commodities ainda precisam de cargueiros dedicados devido à sazonalidade ou por questões de origem e/ou destino. E por questões até de segurança, como explica Febeliano: “Nem toda carga pode ser transportada nos porões, continuaremos precisando de cargueiros puros para sempre, porque sempre haverá carga que não irá junto com os passageiros, inclusive algumas que estão cada vez mais populares e que terão restrições cada vez maiores, por exemplo, baterias de lítio.” Sim, mesmo essas cargas pequenas, que não requerem as dimensões de um Boeing 777 full frighter ou assemelhado.
Vanderelei Morelli acredita nessa tendência de redução da quantidade de cargueiros em empresas como as do Grupo como Air France-KLM. “É questão de economia, porém, eu acredito que isso não quer dizer o fim dos cargueiros, porque existe a carga para cargueiros, cargas sobre-dimensionadas etc.”
Enquanto isso, empresas com foco exclusivamente cargueiro, como a Cargolux, tornar-se-ão raras e focarão em mercadorias bem pagas, como os bens da indústria farmacêutica. Com sede em Luxemburgo, a Cargolux é uma companhia aérea estritamente cargueira e opera uma frota moderna e eficiente composta de 11 Boeing 747-8F e 11 Boeing 747-400F. A malha mundial da Cargolux cobre 90 destinos, dos quais 60 são servidos com voos cargueiros regulares. No final de janeiro deste ano, Manaus se tornou o 100º destino comercial da companhia aérea operado pela aeronave 747-8F, que passa a fazer parte de seus serviços regulares de transporte de carga, tornando a Cargolux a primeira companhia aérea do mundo a operar com esse equipamento, mais moderno e eficiente – a empresa luxemburguesa está constantemente modernizando sua frota cargueira para otimizar sua operação. A Cargolux oferece serviços rápidos de carga aérea para Manaus desde 2012 e operou o seu primeiro voo com o 747-8F no Brasil em junho de 2013, no aeroporto de Viracopos (SP), após esforços para liberação e aprovação das operações com esse equipamento nos aeroportos brasileiros. Como disse Dirk Reich, presidente e CEO da Cargolux, “Estamos felizes em dizer que, com Manaus sendo parte da nossa malha de operações com o 747-8F, podemos melhorar ainda mais as exportações de carga aérea do Brasil e trazer mercadorias como peças automotivas, produtos perecíveis e produtos farmacêuticos ao mercado, com mais eficiência no consumo de combustível e de maneira mais sustentável”.
Manaus se tornou este ano o centésimo destino do Boeing 747-8F, pelas asas da Cargolux.
(foto: Divulgação Cargolux)
Companhias sem cargueiros, companhias com frotas mistas, companhias só com freighters. E empresas que, além de uma frota diversificada, têm, entre seus negócios, o leasing de cargueiros para quem não quer ser proprietário de um. Essas empresas mudaram para um arranjo de wet-leasing com operadores como a Atlas Air. Com atividade diversificada, o grupo Atlas Air tem como principal atividade alugar aeronaves cargueiras para outras empresas, inclusive em contratos ACMI (ou seja, com aeronave, tripulação, manutenção e seguro). Como empresa aérea, a Atlas Air é a maior operadora do mundo de aeronaves Boeing 747 cargueiros, além de operar ou alugar hoje também aeronaves 747-400 para passageiros e Boeing 777, Boeing 767 (modelos 200 e 300), Boeing 757, Boeing 737-800 e 737-300 cargueiros e/ou para passageiros, em dry ou wet leasing. Entre seus principais clientes estão as empresas AeroLogic, Emirates, Etihad Airways, Qantas, DHL Express e TNT e a própria Boeing.
O grupo aposta que, com a previsão de crescimento da demanda em cerca de 4% ao ano, a capacidade de produção de grandes aeronaves “F” também crescerá, em alinhamento com essa previsão necessidade de aviões mais modernos para substituir os MD-11F e Boeing 747-400F, de tecnologias mais antigas. A companhia também duvida que a capacidade de porão dos aviões para passageiros substituirá os cargueiros puros. Por meio de um documento AAWW Investor Slides publicado em abril passado, a empresa sustenta que o convés principal de aeronaves cargueiras carregam bem mais da metade do tráfego de carga aérea e previsão é que continuarão a fazê-lo devido a serviço e horários mais confiáveis. Trocar 10% da capacidade do mercado de carga da região transpacífica do convés principal dos frighters para os porões exigiria 50 porões de aeronaves a mais e ela lembra que há limitações na disponibilidade de slots – autorizações operacionais em aeroportos mais congestionados – e rotas e não há suficiente demanda de passageiros nesse mercado para justificar aviões que transportem carga apenas de porão. A capacidade média global disponível em porão de um Boeing 777-300ER é 18 a 20 toneladas, considerando 28 toneladas de capacidade de carga estrutural máxima disponível e depois de preenchido o porão com as bagagens de passageiros transportados. Além disso, voos ponto a ponto realizados com os novos Boeing 787 Dreamliner, como por exemplo Londres a Phoenix, são ótimos para passageiros mas não para cargas, como sustenta o documento.
A SAÍDA PARA OS CARGUEIROS PUROS
Há uma categoria de operadores de cargueiro em longa distância que são muitas vezes esquecidas pela indústria de carga aérea convencional, mas causam um grande impacto. FedEx, UPS e DHL são empresas mais conhecidas pelas entregas expressas de pacotes, documentos e encomendas, mas elas transportam também grandes cargas e realizam serviço de Supply Chain (cadeia de suprimentos logístico). A frota de cada uma delas é composta por centenas aviões de vários tamanhos, alcances e capacidades.
A FedEx Express, subsidiária da FedEx Corp, possui principal hub em Memphins (EUA) e é uma das maiores empresas de transporte expresso do mundo, fornece entrega rápida e confiável para mais de 220 países e territórios, servindo mais de 375 aeroportos e utilizando uma rede global aérea com mais de 670 aviões cargueiros de todos os tamanhos, além de mais de 100 mil veículos na frota terrestre, e mais de 325.000 funcionários. A empresa faturou no ano passado US$ 45,6 bilhões.
A DHL Express é parte do grupo Deutsche Post DHL, que possui três divisões: DHL Express, DHL Global Forwarding, Freight e DHL Supply Chain. Ela possui principal hub em Leipzig (Alemanha), onde transfere mais de duas mil toneladas de carga por noite. Está presente em mais de 220 países e territórios, possui também mais de 325 mil funcionários e frota de mais de 250 aviões, com os quais atinge mais de 500 aeroportos na Europa, Ásia, Pacífico, América Latina, Oriente Médio e África e 50 apenas nos Estados Unidos.
A UPS (United Parcel Service) possui sede em Atlanta e principal hub em Louisville (EUA) e sua receita em 2014 foi de US$ 58,2 bilhões (US$ 48,8 bilhões só na entrega de pacotes), quando entregou 4.3 bilhões de pacotes e documentos. São mais de 435 mil funcionários no mundo inteiro (354,000 nos EUA; 81,000 internacionais). Ela também atende mais de 220 países e territórios com 237 aeronaves próprias, além de outras 412 fretadas, e atingindo 382 aeroportos norte-americanos e 346 internacionais. A frota terrestre para o serviço expresso possui 99.984 carros, vans, tratores, motos.
Embora a finalidade principal de suas aeronaves seja mover itens expressos, na prática, cerca de 40% do avião está cheio de carga geral. Isto é pela simples razão de que um operador expresso deve ter capacidade disponível para quaisquer expedições que apareçam no dia, então a carga tradicional sempre poderá auxiliar os cargueiros para que possam voar completos. Por isso, FedEx, a DHL e a UPS ainda alimentam o market share do mercado cargueiro tradicional com densas redes de serviço altamente eficientes com suas próprias frotas de aeronaves “F”, mas também reservam espaço de porão de barriga com as linhas de passageiros de outras companhias. Mais de 95% do transporte aéreo de mercadorias dessas companhias pode ir de qualquer maneira (em cargueiros puros ou porões) e elas não lidam mais só com envelopes ou seja, hoje elas transportam de tudo. Além disso, o crescimento rápido do comércio de eletrônicos alimentam a especialidade das mesmas, pois são “pacotes” de menor tamanho: reduziu-se consideravelmente a introdução no mercado de novos produtos que requeiram espaço em cargueiros puros, com deque principal.
Um cliente que continua crescendo em importância em todo o mundo é a indústria farmacêutica e ela se tornou uma fazedora de dinheiro entre os produtos do transporte cargueiro aéreo mas, mesmo que consiga se expandir como esperado, não vai lotar todo o espaço disponível para carga em aviões cargueiros puros ou em porões. Será necessária também a existência de muita carga volumosa para elevar a receita e os yields da indústria.
Consultores da área enxergam que grandes frotas de cargueiros só farão sentido econômico para um menor número de operadores de mega-hubs; operadores menores provavelmente irão cada vez mais se concentrar em otimizar um espaço significativo nas “barrigas” de aviões de passageiros, em sua maioria birreatores modernos que são também minicargueiros. “Com possível exceção apenas para operadoras da região do Golfo Pérsico, como a Emirates, certamente nenhum outro operador estará melhor colocado para lucrar com o crescimento de carga aérea disponível”, diz James Woodrow, até recentemente diretor de cargas da Cathay Pacific, que opera frota mista (cargueiros puros/carga e passageiros) baseada no maior hub cargueiro de todo o mundo – Hong Kong – acrescentando que “A carga aérea está entrando em uma era de menos operadores de cargueiros. Aqueles que permanecem precisarão investir em aeronaves modernas, com baixo consumo de combustível, e isso é uma decisão difícil.” E outro fator pouco comentado está cada vez mais bem nítido também: “As companhias do Golfo Pérsico estão crescendo muito rapidamente e isso tem que ser às custas de outra companhia.”
Dener Souza, gerente de cargas da Emirates Skycargo para a América do Sul, revela a estratégia de longo prazo da sua companhia: “Ter 85% da frota cargueira composta por novos Boeing 777F, altamente confiáveis, com baixo custo de manutenção e que nos proporcionam maior eficiência em termos de consumo de combustível é também uma vantagem competitiva.” A frota da empresa dos Emirados Árabes é composta por 12 B777F e dois B747ER-F, além da capacidade oferecida pelos porões das aeronaves de passageiro que, segundo ele, está em linha com a demanda atual e futura. “Cerca de 35% da nossa carga é transportada em aviões cargueiros e o restante em aviões de passageiros.” Ele acrescenta que a Skycargo tem apresentado 69% de load fator e também tem uma parceria com a australiana Qantas, tanto para o transporte de passageiros, quanto para o de cargas.. A Emirates SkyCargo opera a partir de seu hub em Dubai para 148 destinos em 83 países, em seis continentes usando inclusive a capacidade no porão de carga na frota de 232 aeronaves de passageiros. Seus principais mercados são China, EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Oriente Médio, entre outros, com um bom crescimento também saindo da África. Do Brasil, as principais commodities são: ovos férteis, frutas, couro, partes e peças para indústria pesada, eletrônicos e autopartes. A Emirates voa para três destinos na América do Sul: São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Já a Emirates SkyCargo opera também quatro voos cargueiros semanais para o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, além de um voo cargueiro semanal para Quito.
Empresas especializadas em transporte cargueiro continuarão sendo necessárias em alguns mercados e rotas.
(foto: Rosvalmir Afonso Delagassa)
E AS FABRICANTES?
Para uma das maiores fabricante mundiais de cargueiros voadores, a Boeing, a mais formidável concorrência vem da “barriga” dos seus próprios aviões de passageiros. As vendas das versões de carga do Boeing 777 e 747-8, os maiores freigthers do mundo, começaram a se reduzir com a British Airways, Delta Air Lines, FedEx, e outras operadoras “groundeando” seus aviões de carga mais velhos e transferindo sua carga para os porões de seus Boeing 777 de passageiros. Isso está forçando o Boeing a repensar seu negócio de carga enquanto uma enxurrada de aviões widebodies chega ao mercado nos próximos dois anos.
“Não vendi sequer um cargueiro widebody em quatro anos," diz Glen Langdon, presidente da Langdon Asset Management, uma empresa de San Francisco que vende 747s e outros grandes jatos comerciais usados. “Fiquei chocado e surpreso ao ver quanto de capacidade existe abaixo da cabine de passageiros,” Langdon disse referindo-se aos jatos 777 mais novos, que podem transportar 25 % mais de carga do que o jumbo Boeing 747 para passageiros — além de também até 386 pessoas. O 747-8 e 777 estão entre os modelos mais caros da Boeing, listados em mais de US$ 300 milhões cada um.
Segundo o documento Global market Forecast da fabricante Airbus, cobrindo 20 anos entre 2013 e 2032, em 2013 existiam 1.645 aeronaves cargueiras dedicadas transportando pelo menos 10 toneladas cada uma, operando em 197 companhias aéreas em todo o mundo. Quase metade – 45% desses aviões – eram de tamanho médio, podendo transportar entre 30 e 80 toneladas de carga, cada um. Pouco mais de 60% da frota cargueira era de aviões convertidos de aviões para passageiros para cargueiros puros e uma centena de cargueiros de grande porte estavam “groundeados” devido à situação da indústria em 2013. Para 2032, a previsão é de que a frota quase dobrará, atingindo 2.905 aviões, afirma o estudo. “Serão necessários nos próximos 20 anos 8.000 aviões widebodies acima de 250 assentos com capacidade para carga associada” prevê o documento. “Entretanto, devido à complexidade, limitação e custos associados ao gerenciamento desse espaço, o load factor nos widebodies chegando ou partindo dos EUA, por exemplo, não excederá 30%.” Nos próximos 20 anos, a indústria de carga aérea mundial também necessitárá de 1.800 aviões convertidos para cargueiros e pelo menos 870 novos cargueiros. Em 2012, transportadoras de cargas expressas haviam ampliado a frota com 96 cargueiros pequenos, 459 cargueiros médios e 145 cargueiros grandes, representando 43% da frota cargueira mudnial. Os grandes widebodies são especialmente vantajosos em operações superiores a 4.000 milhas náuticas de distãncia. (7.400 km)
Em 2013, a idade média dos grandes cargueiros em operação – 32% da frota mundial – era de 15,3 anos, e dos aviões médios – 45% da frota em serviço em todo o mundo – , de 21,2 anos. 39% do total de cargueiros já eram aviões cargueiros novos. As cargueiras do Oriente Médio detinham 2% da frota mundial em 1993 e, em 2013, já haviam dobrado o índice para 4% e a previsão era de 6% em 2032.
Quanto ao tráfego aéreo cargueiro, ele crescerá em média 4,8% ao ano até 2032. A carga de porão representava 50% do total transportado 2013 e a tendência já era de que esse transporte permaneceria um componente chave dessa indústria, permitndo às companhias aéreas ajustarem capacidade à demanda. Em 2032, 30% do tráfego de carga aérea em todo o mundo será para ou da Ásia Pacífico. Finalmente, o documento é otimista para a América Latina, com 5,1% de crescimento até 2032, por ano.
Por sua vez, o documento Perspectivas de Mercado da Boeing, a mais tradicional previsão de demanda de aeronaves, sendo considerado a mais completa análise da indústria de aviação, afirma qu o mercado de carga aérea continua se fortalecendo e demandará cerca de 920 novas aeronaves ao longo dos próximos 20 anos da previsão (de 2015 até 2034). “O mercado de carga aérea vem crescendo de forma sólida há dois anos e nossa expectativa é que esse crescimento seja mantido", disse Randy Tinseth, vice-presidente de marketing da Boeing Aviação Comercial. “Trata-se de uma excelente notícia para nossa linha de produção de cargueiros, que inclui o 767, o 777 e o 747-8.”
Cargueiros puros ainda serão vitais em rotas de carga muito ativas ligando os fabricantes chineses com os consumidores americanos e europeus, William Flynn, presidente e Chief Executive Officer, da Atlas Air Worldwide observa que os cargueiros se deslocam entre hubs, centros de distribuição. “Não estou dizendo que o transporte em porões não é viável ou não são economicamente bons para os transportadores, mas que essa hipótese de que toda essa capacidade de “barriga” vai se disseminar ou alterar equação para os cargueiros puros, com convés principal, eu acho simplesmente exagerado.” Até mesmo Perry Flint, porta-voz da IATA, que prevê o crescimento de 8% da frota de widebodies também para passageiros, acredita que “Sempre vai haver necessidade de cargueiros.”
Conclusão? Mesmo com essa revolução causada pelas "barrigas" dos widebodies, esteja certo de que você ainda verá por muito tempo a palavra CARGO estampada nas fuselagens desfilando nos aeroportos do mundo.
Conclusão? Mesmo com essa revolução causada pelas "barrigas" dos widebodies, esteja certo de que você ainda verá por muito tempo a palavra CARGO estampada nas fuselagens desfilando nos aeroportos do mundo.
(foto: Rosvalmir Afonso Delagassa)