***ENTREVISTA EXCLUSIVA***
PILOTO DA LION AIR
COMENTA O QUE TERIA ACONTECIDO
NOS DOIS ACIDENTES
ENVOLVENDO O BOEING 737 MAX
ENVOLVENDO O BOEING 737 MAX
(atualizada em 15 de março de 2019)
(por Solange Galante)
Após o acidente de
ontem (10 de março) com um Boeing 737 MAX (ET-AVJ)
da Ethiopian Airlines (voo ET302 entre
Addis Abeba, Etiópia, e Nairobi, Quênia) que resultou em 157 mortes, conversei com
um comandante que voa na Lion Air, empresa que sofreu o primeiro acidente com o
novíssimo modelo 737 MAX (PK-LQP, voo JT610)
em 29 de outubro do ano passado, que resultou em 189 mortes na Indonésia.
Ele é brasileiro,
e voou em várias empresas aéreas no Brasil antes de se transferir para a Ásia e
dá um pista sobre o que pode estar na raiz dos problemas ocorridos com a operação do novo modelo de
avião: falta de treinamento específico. Ele apenas pede que não seja
identificado.
Caixa Preta: O que
estaria acontecendo com o Boeing 737 MAX?
Cmte: “A ‘suposta pane’creditada
ao avião existe, mas a resposta está no check
list : infelizmente, os pilotos parecem que não entenderam a pane.”
Caixa Preta: Como
assim?
Cmte: “Se a pane foi a mesma
do caso do nosso avião, ‘Airspeed Unreliable’ ela já está no QRH* desde o
737-200, mas, infelizmente ninguém treina. A gente vai para o simulador e são sempre
as mesmas panes treinadas, fogo no motor, falha do motor e pane hidráulica,
apesar de termos 17 recall itens no QRH
*O Quick Reference
Handbook (QRH) contém todos os procedimentos aplicáveis para condições anormais
ou de emergência em um formato fácil de usar. Em acréscimo, contém correções de
dados de performance para condições específicas.
Caixa Preta: Desde o
737-200? Passando por todas as famílias 737?
Cmte: “A pane que está
prevista no QRH desde o 737-200 chama-se 'Airspeed Unreliable' quando
os computadores recebem informações diferentes e causam um acionamento de
inúmeros alarmes que estão interligados entre si, e, neste caso, o QRH diz para
desligar o Piloto Automático, o Auto Tthrottle os Flight Directors e voar o
avião manualmente. Esta foi a pane reportada pelo Lion Air e o Ethiopian. Por
que os pilotos não conseguiram voar o avião é que intriga todo mundo.
Caixa Preta: Então,
desligando tudo dá para manter o controle do avião?
Cmte: “Sim mas a pane já
existia. O que quero te explicar é que acredito que a tripulação do Ethiopian
infelizmente não entendeu o que estava acontecendo e morreram todos. Os dois
acidentes têm algo em comum, gente com pouca experiência. O copiloto, com
apenas 200 horas, provavelmente nem sabia o que estava acontecendo A Boeing diz
que sem o automatismo, você voa manualmente sem nenhum problema.”
Caixa Preta: Vocês aí
na Lion Air também não recebem treinamento específico para essa pane?
Cmte: “Ninguém recebe. Eu
soube de um colega que teve este treinamento graças a uma pane que houve na
Gol, com um 737-800 novo com apenas um mês de Gol, de Congonhas para o
Aeroporto Santos Dumont (felizmente, sem ocasionar um acidente). Devido a isso
a Gol treinou os pilotos para essa pane e desde aquele dia ele entendeu que
pode ocorrer com qualquer um e com qualquer aeronave independente da idade
dela. O avião da Gol acabou pousando em Campinas (Viracopos).”
Caixa Preta: Então
essa pane ocorreu na Gol, a companhia identificou o problema e deu o
treinamento específico. O que, em tese, caso ela mantenha esse treinamento até
hoje, a torna mais preparada para evitar um acidente semelhante?
Cmte: “Exatamente, no caso
de pane de Airspeed Unreliable.”
Caixa Preta: E a Lion
Air ainda não incluiu o treinamento?
Cmte: “Não, até agora, só
falou que iria iniciar. Tem um sistema no MAX chamado ‘MCAS’ que foi introduzido
para evitar que no voo Manual – e somente no voo Manual – caso o piloto eleve o
nariz do avião em direção ao STALL o sistema trima o nariz do avão para baixo
avisando ao piloto para tomar uma atitude. Se após 5 segundos nada for feito, o
sistema trima nariz pra baixo novamente. Só que não perde o controle da
aeronave se o piloto ‘voar o avião’ o que aparentemente não aconteceu na Lion e
a Lion rapidamente colocou a culpa no avião invés de melhorar a instrução. Pode
ter sido o mesmo caso da Ethiopian. Posso estar errado mas creio que, quando
soltarem o relatório final, vão mandar mudar o treinamento chamando a atenção
de que as duas situações podem ocorrer simultaneamente. Ou seja, o que
aconteceu na Lion foi o seguinte: tiveram a pane de Airspeed Unreliable, os
pilotos não entenderam nada da pane e ninguém voou o avião. Daí o sistema de
proteção entrou em funcionamento e os pilotos estavam preocupados com a pane de
Airspeed e deixaram o avião entrar num voo picado, do qual não saiu mais e
entrou voando mar adentro. Este é o senso comum entre os pilotos.”
Caixa Preta: Você acha que os pilotos conseguiriam controlar mesmo o avião se tivessem tornado a pilotagem totalmente manual?
Cmte: "Eu acredito que sim, a grande incógnita é o quanto o sistema trimou a aeronave para baixar o nariz, pois, dependendo disso, o segundo piloto tem que ajudar usando o trimmer manual para trazer o estabilizador para uma condição que um ser humano normal possa atuar nele, pois fica muito pesado para trazer no braço. Sem alimentação elétrica, precisa usar uma alavanca (usada apenas para 'Non Normal Situations')."
(Conforme as fotos abaixo, enviadas por nossa fonte)
Alavanca recolhida (perfil)
Alavanca pronta para uso (vista de cima)
Cmte: "O que me provoca fazer essa pergunta: 'Será que houve uma boa coordenação de cabine? Houve treinamento? Dai o motivo por que falei que o copila com 200 horas provavelmente nem sabia o que estava acontecendo."
Caixa Preta: Você acha que os pilotos conseguiriam controlar mesmo o avião se tivessem tornado a pilotagem totalmente manual?
Cmte: "Eu acredito que sim, a grande incógnita é o quanto o sistema trimou a aeronave para baixar o nariz, pois, dependendo disso, o segundo piloto tem que ajudar usando o trimmer manual para trazer o estabilizador para uma condição que um ser humano normal possa atuar nele, pois fica muito pesado para trazer no braço. Sem alimentação elétrica, precisa usar uma alavanca (usada apenas para 'Non Normal Situations')."
(Conforme as fotos abaixo, enviadas por nossa fonte)
Alavanca recolhida (perfil)
Alavanca pronta para uso (vista de cima)
Cmte: "O que me provoca fazer essa pergunta: 'Será que houve uma boa coordenação de cabine? Houve treinamento? Dai o motivo por que falei que o copila com 200 horas provavelmente nem sabia o que estava acontecendo."
------------------------------------------------------
Afinal, porque o 737 MAX precisa da função MCAS, que pode ter sido a causa da pane ou ter contribuído para o acidente?
O MAX, evolução dos demais Boeing 737, utiliza os motores CFM LEAP-1B. Que está mais à frente do bordo de ataque das asas, o que afeta as características de manobrabilidade do avião, especialmente o controle em torno do eixo longitudinal (cabrar/picar, ou pitching). Daí os engenheiros da Boeing terem instalado no novo avião o MCAS (Maneuvering Characteristics Augmentation System) para compensar essa característica única durante o processo de certificação do 737 MAX. O MCAS é uma das funções do computador de controle de voo (FCC) e obtem dados der ângulo de ataque (AOA) do sensor esquerdo (vane) de AOA.
Lembro que todo modelo novo de avião ainda está passível a panes não detectadas na fase de desenvolvimento mas o treinamento é fundamental e, às vezes, as atitudes a serem tomadas já estão à disposição dos pilotos, como no QRH, um manual básico há décadas. Abaixo, páginas do QRH de um Boeing 737-200, conforme citado pela nossa fonte.
O MAX, evolução dos demais Boeing 737, utiliza os motores CFM LEAP-1B. Que está mais à frente do bordo de ataque das asas, o que afeta as características de manobrabilidade do avião, especialmente o controle em torno do eixo longitudinal (cabrar/picar, ou pitching). Daí os engenheiros da Boeing terem instalado no novo avião o MCAS (Maneuvering Characteristics Augmentation System) para compensar essa característica única durante o processo de certificação do 737 MAX. O MCAS é uma das funções do computador de controle de voo (FCC) e obtem dados der ângulo de ataque (AOA) do sensor esquerdo (vane) de AOA.
Lembro que todo modelo novo de avião ainda está passível a panes não detectadas na fase de desenvolvimento mas o treinamento é fundamental e, às vezes, as atitudes a serem tomadas já estão à disposição dos pilotos, como no QRH, um manual básico há décadas. Abaixo, páginas do QRH de um Boeing 737-200, conforme citado pela nossa fonte.
O depoimento desse piloto reforça a importância do TREINAMENTO sobre os mais diversos tipos de panes possíveis, especialmente diante do crescente automatismo dos aviões. Lembram do acidente com o American Airlines (DC-10-10) em 25 de maio de 1979 e do acidente com a TAM (Fokker 100) em 31 de outubro de 1996? Os pilotos também tomaram atitudes indevidas para as situações para as quais não haviam sido treinados. Esses exemplos dentre inúmeros outros.
Enquanto se discute qual foi a pane e o que acontecerá com a Boeing e com seu 737 MAX 8 a partir de agora esquece-se que também é importante saber que o treinamento específico poderia ter ajudado aqueles pilotos, dos dois acidentes fatais, a voarem o avião, quiçá até conseguirem efetuar um pouso de emergência.
Fica o recado.
Enquanto se discute qual foi a pane e o que acontecerá com a Boeing e com seu 737 MAX 8 a partir de agora esquece-se que também é importante saber que o treinamento específico poderia ter ajudado aqueles pilotos, dos dois acidentes fatais, a voarem o avião, quiçá até conseguirem efetuar um pouso de emergência.
Fica o recado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário