UMA HISTÓRIA QUE QUASE FICOU ESQUECIDA
(por Solange Galante)
(Reprodução de foto de Benito Latorre)
No final do ano passado, perdemos
nosso amigo Benito Latorre, precocemente, precocemente demais. Uma pessoa
educada, inteligente, excelente fotógrafo, muito conhecedor de aviação
comercial. Certa vez, eu estava curiosa para saber de uma história de porta aberta
em voo em um Boeing 727 em que o Benito estava. Numa noite em que
estávamos eu e nosso amigo Carlos França jantando no restaurante oriental onde
Benito trabalhava como sushiman, gravei seu depoimento. Para uma reportagem
futura, talvez. E acho que agora chegou a hora.
"Na ida foi sossegado,
problema nenhum... O avião estava com 164 pessoas a bordo" – não
ficou claro, no depoimento, se eram apenas passageiros nesse cálculo – entre a
primeira classe e a classe econômica... O avião da Fly era o PR-BLS. "Tinha
primeira classe, era um ex-Continental Airlines. Na volta, em Fortaleza, o
engenheiro de voo começou a pressurizar o avião em solo mas o avião não estava
pressurizando, mas no cheque de portas estava acusando que estava tudo fechado.
Então, o engenheiro disse que iria pressurizar em voo, após a decolagem."
Mas, antes mesmo da decolagem,
segundo o Benito, dava para se ouvir um assovio. Até uma das aeromoças veio
bater na porta dizendo “Comandante, tem um barulho muito estranho lá fora.”
“Quando estiver pressurizado esse barulho some” – ele, então, garantiu.”
“Aí, nós recebemos autorização
para decolar, e na hora da decolagem, V1, velocidade de rotação, deu 'rotate',
o engenheiro apertou o botão para pressurizar o avião, e nada. E eu lá na
cabine só observando...”
Benito prossegue: “O avião
decolou, a aeromoça veio bater na porta de novo. ‘Cmte, os passageiros estão se
levantando, ‘tá um barulho incrível, insuportável, lá atrás!’. Aí o flight disse
que iria lá atrás, na cabine de passageiros, ver” “Eu vou com o senhor”, disse
o Benito.
O engenheiro, muito experiente na
aeronave, saiu da cabine e percebeu que os passageiros estavam todos já se
levantando das cadeiras, e repletos de medo.
“O 727 tem uma porta auxiliar
atrás para o caso de pouso em aeroporto onde não tem equipamento de solo,
abaixo da cauda e do motor número dois. Havia uma tampa que fechava ali, e nós
fomos lá ver. Então vimos que tinha uma fresta aberta que passava um braço!
‘Por isso que o avião não ‘tá pressurizando. Onde há o extensor de porta, ele
está fechado, mas aqui ele não fechou’ havia constatado o engenheiro. Era uma
borracha que estava fora, essa borracha prendeu na porta e a porta não fechou
totalmente. Quando estava a porta aberta, parecia que o motor estava lá do
lado, na minha orelha... o revestimento acústico lá atrás é muito pouco.... Aí
voltamos para a cabine e passamos a informação do que estava acontecendo para o
comandante, que decidiu: ‘Vamos ter que voltar!’”
Segundo Benito me contou, o avião
deve ter subido até pelo menos 8 mil pés. O 727 estava muito pesado e estava
muito calor. Teve início o alijamento de combustível no ar. “Pois você não
pode pousar a aeronave com o mesmo peso de decolagem, senão ela pode quebrar.
Só após alijarem combustível o suficiente, pousaríamos em Fortaleza. O
comandante colocou no transponder o código de emergência e fez uma órbita sobre
o mar para alijar combustível, e depois retornamos a Fortaleza. O comandante
pousou tranquilo, fez um pouso maravilha. E o avião ainda estava tão pesado que
saímos na última intersecção, no final da pista. Aí, na hora que o
avião deu reverso, escutamos, da cabine mesmo, os passageiros se levantando e
indo para frente, longe dos motores. Ou seja, quando o comandante deu o reverso
e os passageiros começaram a ouvir o barulho lá dentro da aeronave, um tumulto teve
início... Depois, ficamos parados fora da posição de embarque e desembarque,
que é chamada de área remota. A manutenção olhou o problema, até fechar a porta
lá atrás, mas ficamos 40 minutos em solo. Porque o trem de pouso estava ainda
com a temperatura muito alta, se a gente decolasse de novo, iria gerar mais
atrito e poderiam estourar os pneus na decolagem. Ou, se recolhesse o trem de
pouso de novo poderiam estourar os pneus lá dentro. Só sei que ao todo quatro
pessoas desembarcaram do avião, não seguiram viagem. Saiu até matéria no jornal
de lá.”
Benito estava viajando por conta dessa reportagem da revista Flap que foi publicada em março de 2001.
Registrada essa história! E que Benito, esteja onde estiver, continue curtindo aviação como nunca, pois ele sempre viveu intensamente essa paixão, em especial pelo Boeing 727!
(foto: Solange Galante)
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