RUMO
À EUROPA COM A LUFTHANSA CARGO
(por
Solange Galante, texto e fotos)
Acompanhei com exclusividade um dos voos
cargueiros da empresa alemã entre Brasil e Europa transportando um importante
produto de exportação brasileiro.
Cheguei cedo ao Aeroporto de Viracopos,
em Campinas, para um voo internacional e regular. Meu avião, inclusive, acabara
de pousar. Mas era inútil procurar o Lufthansa 8259 no “placar” do aeroporto.
Voos cargueiros não são anunciados lá.
Pela segunda vez fui convidada pela
Lufthansa Cargo para acompanhar um de seus voos no Brasil. Mas, desta vez, será
muito mais especial que o Viracopos-Manaus de anos atrás, rota, aliás, que nem
existe mais na malha da companhia. Minha missão, agora, seria atravessar o
Atlântico acompanhando uma das principais cargas de exportação via aérea, do
Brasil.
O transporte de passageiros em aeronaves
cargueiras não é tão raro como pode parecer, mas, quando ocorre, geralmente é
porque esses passageiros estão a trabalho. Grandes animais, como cavalos,
costumam ter a companhia de tratadores. Parentes de funcionários da empresa
aérea também podem pegar uma carona de vez em quando. E, geralmente,
funcionários ligados diretamente à logística estão a bordo por questões
operacionais.
No aeroporto eu me encontrei com Jörg
Waber, assessor de comunicação do Grupo Lufthansa, designado para me acompanhar
nessa viagem, já que o transporte de repórteres é ainda mais raro em um voo
como aquele. Passamos pela inspeção de segurança do aeroporto longe dos
passageiros dos outros voos, mas junto aos tripulantes de nossa aeronave, que
eram o comandante Ulrich Meister e o primeiro oficial Tilmann Otto. Um carro da
companhia nos levou até o avião, que já tinha sua carga local para exportação
embarcada e a maior parte da carga de importação, oriunda da Alemanha, também
desembarcou naquele aeroporto.
O voo teria início em Viracopos (Campinas).
Nossa aeronave seria o McDonnell Douglas
MD-11F de matrícula D-ALCC. Assim como todos os 12 aviões do modelo ainda
disponíveis na frota da Lufthansa Cargo, ele foi entregue novinho à companhia
alemã. Neste caso, tratava-se do avião de número de série 48783, que chegou à
empresa em agosto de 1998. Aos poucos, a companhia cargueira está introduzindo
também o Boeing 777F na frota: já possui cinco exemplares, todos igualmente
novos.
Adriano, Antônio e Jörg, alguns de nossos personagens.
Já a bordo, encontramos o loadmaster Adriano de Souza e o técnico
de manutenção Antônio da Fonseca, um português de Coimbra que cresceu na
Alemanha, ambos funcionários da Lufthansa Cargo. Eu, aliás, já os conhecia da
outra viagem, e foi um imenso prazer reencontrá-los. O loadmaster é um especialista em peso e balanceamento, e durante o
carregamento e descarregamento de um cargueiro ele coordena tudo, é o
equivalente ao maestro de uma orquestra, na operação logística de uma empresa
aérea. Ele também prepara a loadsheet, o documento que mostra todos os pesos da aeronave em si, bagagem, carga, correio e combustível embarcado, e a soma determina o peso total da aeronave tanto na decolagem como na aterragem e também seu centro de gravidade para um voo seguro e econômico. O documento mostra ainda a distribuição da carga pelos compartimentos do avião. No
caso, um colega de Adriano preparou a loadsheet
para parte do voo que faríamos. Cópia do documento chegou aos pilotos pela
impressora do sistema ACARS da aeronave, para que pudessem inserir os dados no
computador do MD-11F.
Em 2013 testemunhei Antônio procurando uma pane em outro avião da Lufthansa Cargo, em Manaus. Felizmente, era alarme falso.
Loadmaster e técnico de
manutenção da Lufthansa Cargo acompanham o voo quando ainda em território
brasileiro, pois não há esses profissionais fora de Viracopos, ou seja, nos
aeroportos de Curitiba e Natal – chamados, no caso, de estações. O loadmaster prepara a loadsheet para a etapa seguinte após seu
desembarque e o mecânico fica preparado para caso de necessidade. Há quatro
anos o mesmo Toni voou de Viracopos para Manaus, onde desembarcou, mas a
aeronave, que já seguia após Manaus para Bogotá, regressou à capital amazonense
por suspeita de pane nos flapes e o português regressou ao pátio e ficou
durante duas horas debaixo do MD-11F tentando descobrir o que havia de errado.
Felizmente era alarme falso, mas a aeronave e tripulação seguiram apenas na
manhã seguinte para Bogotá, sem quaisquer problemas a registrar até chegar à
Alemanha.
O voo Viracopos-Manaus foi substituído,
há pouco mais de dois anos, pelo voo que eu acompanharia agora:
Viracopos-Natal-Dacar-Frankfurt, que teve início exatamente em 7 de
junho de 2015.
Como a Alemanha não tem acordo de cabotagem com o Brasil, nenhuma carga
embarcada em Viracopos seria desembarcada em Natal, o que caracterizaria
transporte doméstico. Mas dois passageiros “domésticos” desembarcariam, sim:
tanto Adriano quanto Toni, que viajariam também para Natal conosco,
desembarcariam na capital potiguar e regressariam para Viracopos em voo
comercial de passageiros (de empresas brasileiras) para preparar um novo voo da
companhia alemã. A Lufthansa Cargo pousa e decola do Brasil cinco vezes por
semana: são dois voos que ligam o hub
Frankfurt a Curitiba, dois que ligam o hub
a Montevidéu (Aeroporto Internacional de Carrasco) e Buenos Aires (Aeroporto
Internacional de Ezeiza) e um que chega até Natal, todos passando por
Viracopos. Quando necessário, a empresa voa diretamente para o Aeroporto de
Guarulhos, sem passar por Viracopos, em voos esporádicos. Comum a todos os
voos, na ida ou na volta, é a escala técnica para reabastecimento no Aeroporto Internacional Yoff-Léopold Sédar Senghor, de Dacar,
capital do Senegal, África. Porém, na véspera do nosso voo para Natal e
Frankfurt, um dos voos da Lufthansa Cargo partiu de Ezeiza diretamente para a
cidade alemã sem passar por Dacar. Adriano explicou que o avião transportava
cavalos e, por questões de regulamentação, bem como para a segurança e conforto
dos animais, o MD-11F não poderia pousar na capital africana. Para isso,
transportou menos carga e muito mais combustível.
A bordo do avião da Lufthansa Cargo, um motor de outro avião,
provavelmente para passar por manutenção na Europa.
Com capacidade estimada para até 95
toneladas de carga útil a partir de Viracopos, nosso MD-11F não estava, porém,
cheio, naquele dia. A bordo havia carga variada, incluindo um motor de avião,
que não era da Lufthansa, vacinas e ovos fecundados, sendo que apenas os ovos
seriam desembarcados em Dacar. A toda essa carga, que seria desembarcada em
Frankfurt, seriam acrescidas na capital do Rio Grande do Norte muitas toneladas
de uma carga “Made in Brazil” muito apreciada pelos europeus e muito cultivada
nos estados do Nordeste: frutas brasileiras. Consideradas exóticas no Velho
Continente, tinham naquela região do Brasil as condições climáticas ideias para
se adequarem às normas rígidas dos países importadores, como colheita somente
após o amadurecimento máximo no pé e cultivo sem modificações genéticas – isso
estava claramente especificado nas caixas. Essas características garantiam o
doce da fruta e denunciavam sua fragilidade, justificando o transporte aéreo,
muito mais caro que o marítimo – é onde a rapidez eleva o valor da mercadoria. Adianto que eu também iria identificar algumas das empresas que participavam do processo, naquele voo específico: as
exportadoras Doce Mel (com sede na Paraíba e filiais no Ceará, Bahia,
Pernambuco e Rio Grande do Norte), e a Interfruit, do Espírito Santo, e com
plantações que se estendiam desse estado até o Rio Grande do Norte, eram duas
delas. Do lado dos importadores, destacavam-se a alemã Zimpelmann
e a holandesa BUD Holland, especializadas em frutas e legumes de todo o mundo.
Minha missão, como uma passageira
incomum para um voo como aquele, seria acompanhar essa deliciosa carga. Durante
a viagem daria tempo de sobra para imaginar onde seriam degustadas: no café da
manhã de algum hotel cinco estrelas? Como sobremesa em restaurantes famosos? Ou
até em palácios reais? Afinal, como frutas tropicais, não eram alimento do dia
a dia para os europeus.
O total de carga nos dois deques do
MD-11F na decolagem de Viracopos era de 37.547quilos.
PASSAGEIROS
Galley abastecida para o longo voo.
Naquele dia o voo 8259 teria, portanto,
quatro passageiros: Antônio, Adriano, Jörg e eu. Os dois primeiros tinham sua
identificação operacional para acompanhar a carga e providenciar o voo a partir
de Natal. Já Jörg e eu éramos os passageiros de fato. Para nosso transporte a
Lufthansa emitiu passagens (etickets) e, para todos os seis ocupantes, os
pilotos inclusos, disponibilizou antecipadamente (duas semanas antes da data do
voo) um cardápio completo, de acordo com o tempo de voo, para escolhermos o que
comer a bordo. Entre os pratos estavam picanha, massa, estrogonofe de carne ou
de frango, panqueca, omelete e peixe, além de sanduíches também a escolher. No
caso dos voos de Viracopos a empresa de catering fornecedora dos alimentos era
local, a LB, mas o pedido vinha diretamente de Frankfurt. A bordo, a galley também transportava água mineral,
iogurtes, chás, chocolates, frutas, refrigerantes e, apesar de não ter bebidas
alcoólicas à disposição, mas contando com forno elétrico e cafeteira, nada
ficava a dever ao serviço de bordo de muita companhia aérea por aí.
Os passageiros têm à disposição duas
poltronas de classe executiva que se transformam em camas (reclinação full flat) para voos longos, além de
duas outras poltronas mais simples mas igualmente confortáveis. Banheiro e
porta-casacos completam a área que antecede a área de carga propriamente dita
no chamado main deck, ou deque
superior.
Controle de temperatura em cada setor da cabine da aeronave.
O controle de temperatura em cada uma
dessas áreas, aliás, é o que garante o transporte de cargas tão variadas, como
as citadas vacinas, motor de avião, ovos fecundados, eletrônicos, peças para
indústria ou até mesmo, quando há, animais vivos, pintinhos recém-nascidos,
frutas e flores, ou seja, sempre produtos com alto valor agregado e/ou
urgência. Todos acondicionados de acordo com a especificação e tratados de
maneira exclusiva pela Lufthansa Cargo dentro das várias categorias de produtos
que ela oferece, por exemplo, o tdFlash, para remessas urgentes.
Jörg e eu fomos convidados a ocupar dois
lugares na cabine de comando (cockpit),
os chamados jump-seats e pudemos
acompanhar toda a preparação do voo. Antes disso, fomos devidamente orientados
a seguir as instruções de segurança para caso de emergência, tanto na área para
passageiros quanto no cockpit.
A primeira etapa do voo 8259, para
Natal, teve início pontualmente às 10h29, um minuto antes do previsto, e teria
duração prevista de 3h15 com previsão de pouso no novo Aeroporto Internacional de Natal - Governador Aluízio Alves às 13h45. Localizado em São Gonçalo do Amarante, a 24 km
da capital do Rio Grande do Norte, o nosso destino substituiu o Aeroporto
Augusto Severo em junho de 2014 para voos domésticos e para o exterior e foi o
primeiro aeroporto internacional sob administração de uma concessionária no
Brasil, no caso o Consórcio Inframérica, que também passou a administrar depois
o Aeroporto de Brasília (Juscelino Kubitscheck).
Com peso de decolagem de 179.484 kg, o
D-ALCC decolou da pista 15 de Viracopos atingindo as velocidades de 131 nós
(V1), 152 (VR) e 165 (V2). A saída por instrumentos utilizada para iniciar a
navegação em voo foi a Vuger 1A.
O comandante Ulrich Meister: voos cargueiros são os preferidos.
Após a aeronave estabilizar na altitude
de cruzeiro de 11.887 m (FL 390) exatos 20 minutos depois, o simpático Captain Meister pode conversar um pouco
conosco. Ele já havia transportado passageiros pela Lufthansa, com o Boeing
747-400, mas estava há 10 anos no MD-11F, modelo que já não voava mais com
passageiros em todo o mundo. Ele confessou que preferia os voos com cargas. Por
quê? O comandante respondeu que com passageiros eram sempre as mesmas rotas,
por exemplo, Frankfurt-Los Angeles-Frankfurt. Já com cargas, a variedade de
voos para destinos diferentes era enorme, inclusive para onde não havia voos da
Lufthansa com passageiros: além de Natal, Viracopos e Dacar, a malha regular da
Lufthansa Cargo incluía desde Almaty, no Cazaquistão, e Novosibirsk, na Rússia, até Hong Kong, na China e Bombaim, na Índia.
A bordo, os pilotos e seus passageiros
também gozavam, nos voos cargueiros, de uma liberdade impossível para os voos
regulares com centenas de pessoas a bordo. Adriano e Antônio logo puderam
aquecer os pratos solicitados e sentaram-se para almoçar nas poltronas
executivas. Acompanhados de salada, torradas, manteiga, sobremesa, sucos ou
refrigerantes e com talheres de metal (não de plástico) o serviço de bordo nada
tinha de improvisado, como poderia parecer a quem nunca tivesse viajado em um
voo cargueiro de uma companhia de longo curso. Como norma, apenas os
tripulantes poderiam manipular os equipamentos da galley mas o mecânico Toni revelou que por serem, ele e Adriano,
conhecidos e estarem sempre voando nos aviões da Lufthansa, inevitavelmente os
pilotos permitiam que eles mesmos se servissem.
Na tela de MFD (Multi-Function Display) do painel, a tripulação selecionara a
exibição das temperaturas nos diversos compartimentos da aeronave. A área onde
estavam as vacinas tinha uma das menores, para garantir, juntamente com as
mantas térmicas do pallet, sua
integridade, até chegar à Alemanha. Onde estavam os ovos a temperatura também
era adequada. Naquele momento, ambas áreas estavam a 18 graus Celsius, enquanto
que no cockpit a temperatura estava
bem agradável, 23 graus.
Pelo tablet,
o Comandante Meister nos mostrou que estávamos já na aerovia Upper Zulu 23 (até
Belo Horizonte), e depois seguiríamos pela Upper Zulu 30 até o Aeroporto de
Natal. Eram os caminhos aéreos balizados ao longo da rota.
Exatamente às 13h24, ou seja, 21 minutos
antes do previsto, o avião pousou, com 162.212 kg de peso total, nos três
quilômetros da pista 12 do aeroporto de São Gonçalo do Amarante.
Chegando ao novo aeroporto de Natal...
... duas imagens do mesmo instante.
Os pallets com frutas nos aguardavam.
Cerca de 12 pallets já nos aguardavam no
pátio do aeroporto e quase todos continham mamões das variedades papaia e
formosa, que, como frutas exóticas, fariam a alegria de consumidores europeus.
O tempo em solo previsto seria de 1h30.
Enquanto Adriano e Toni cuidavam do embarque das frutas e documentação para a
nova etapa da viagem da aeronave, Jörg, eu e os dois pilotos fomos ao terminal
para submeter nossos passaportes à imigração para a viagem internacional.
ROTA DE SUCESSO
A exportação de frutas era um dos
motivos que levaram a Lufthansa Cargo a trocar o voo de Manaus pelo de Natal.
Concorrentes já operavam em outras cidades do Nordeste, pelo mesmo motivo, e há, hoje, bastante
carga para todo mundo, tanto que o MD-11F se despede do Aeroporto Internacional Governador Aluízio Alves agora em setembro
para ser substituído pelo Boeing 777F da Aerologic, empresa com participação da
Lufthansa Cargo, uma joint venture com a DHL: a capacidade de carga da
Lufthansa Cargo, com a troca de avião, aumentará cerca de 10%, para 104
toneladas por voo.
Mamões brasileiros importados pela Holanda...
... e pela Alemanha.
O Aeroporto de
Natal lidera as exportações entre os terminais aéreos do Nordeste e chegou à
sexta posição no ranking nacional. Segundo o Consórcio Inframérica, em 2016
foram transportadas seis mil toneladas de mercadorias, uma média de 16
toneladas por dia. Apenas a Lufthansa Cargo contribuiu com o transporte de cerca
de 2,4 mil toneladas – quase a metade do total, portanto. Como me informaria
depois Gustavo Franklin, especialista regional de vendas e marketing da empresa
cargueira alemã, durante o primeiro semestre em 2017 a Lufthansa Cargo chegou a
1,1 mil toneladas embarcadas lá. O principal produto, ele me confirma, são
mesmo as frutas do Rio Grande do Norte e também de outros estados do Nordeste.
Em especial o mamão, a manga e o abacaxi, que, juntamente com melões, respondem
por 70% dos embarques, segundo a Inframérica. Em segundo
lugar estão peixes (26%), como atum e meca. O terminal também exporta gado e,
segundo a operadora do aeroporto, foi o primeiro a transportar carga de
aguardente orgânica.
É natural que
parte do sucesso de Natal se deve à sua posição geográfica, na esquina do
continente, o que, sem dúvida, favorece as exportações.
RUMO A DACAR
Cinco mil e seiscentos quilos de cargas
provenientes da Alemanha desembarcaram de nosso avião em Natal, onde o embarque
para exportação foi de 45,8 toneladas, grande maioria desse peso composto
apenas pelas frutas, acomodadas principalmente no deque superior. Acompanhar a
rapidez e precisão na operação é uma das partes fascinantes de um voo
cargueiro. Por sua vez, quem conhece a máquina, diz que o MD-11F é um avião que
requer muito cuidado no balanceamento, especialmente por ter a cauda pesada.
Uma olhada nas instruções fixadas na parede do compartimento de carga dá uma
noção disso. No total, mais de 78 toneladas de carga voariam conosco em nossa
próxima etapa.
O embarque em Natal: só frutas.
O curioso é que não era, na data de
nosso voo, a segunda quinzena de junho, a melhor época do ano para essas
exportações. Segundo Gustavo Franklin, a melhor são os meses de outubro
a janeiro. O que mais uma vez justifica a escolha da época para a troca de
equipamento para realizar a rota. Se estivéssemos voando no final de 2016, por
exemplo, seria bem provável que encontraríamos mais de 90 toneladas de carga,
em sua maioria justamente as frutas, a bordo do MD-11F.
Decolamos do Aeroporto de Natal às
15h48, ou seja, 33 minutos após o estimado e após 2h24 de escala naquela
estação. As velocidades de decolagem foram 140, 154 e 160 nós e, imediatamente,
já estávamos com o Atlântico sob nós, rumo à capital senegalesa, que, assim
como ocorria com Natal, tirava vantagem de sua localização geográfica, no caso,
para receber grande quantidade de voos com escala técnica, especialmente de e
para o Atlântico sul.
Agora sem a companhia de Adriano e Toni,
os dois passageiros que restaram tiveram o privilégio de serem servidos pelo
próprio comandante como comissário de bordo, e degustar do catering.
Feijoada a 11 mil metros de altitude.
Ampla variedade de comidinhas, na galley.
Entre as opções disponíveis para nosso
voo eu havia optado pela brasileiríssima feijoada, inclusive pela curiosidade
para analisar sua apresentação a bordo. Posso dizer que estava melhor do que eu
esperava, composta pelo feijão preto com linguiça e carne de porco com osso,
arroz branco, farofa e também a salada, torradas, manteiga e sobremesa (musse
de limão) que, naquele dia, eram padrão para todos os pratos. O próprio
comandante, luva térmica em uma das mãos, providenciou o aquecimento de nossos
pratos, e nos serviu em seguida. Depois, se quiséssemos algo mais da galley, poderíamos nos servir à vontade.
O domingo se despede.
Nosso voo torna-se noturno, ainda antes de chegar à África.
O fuso horário de Dacar era o GMT, ou
seja, três horas a mais que o horário de Brasília. O voo teria a duração
prevista de quatro horas e nosso pouso no Aeroporto Internacional Yoff-Léopold Sédar Senghor estava previsto
para às 22h20 locais, sem contar nosso atraso na decolagem de Natal, que eu
ainda não sabia se impactaria muito nossa chegada à África. Nesse trecho, o
comandante aproveitou para tirar um cochilo lá na cabine de comando mesmo,
enquanto o primeiro oficial cuidava do voo.
Na aproximação para o aeroporto de
Dacar, quando Jörg e eu já estávamos de volta ao cockpit, fiquei na expectativa. O aeroporto senegalês possuía duas
pistas: uma menor, com apenas 1.483 m, e a maior, com 3.490 m, que usaríamos.
Como o comandante havia me mostrado em seu tablet,
a pista 18-36 tinha apenas uma saída, e bem na sua metade. Ou seja, se o avião
não conseguisse sair por ela logo após tocar o solo e se deslocar por cerca de
1,7 km, teria que taxiar até a cabeceira oposta para o backtrack, ou seja, girar 180 graus para taxiar novamente pela
própria pista e, enfim, sair pela taxiway,
uma manobra mais demorada e trabalhosa. Mas, apesar de estarmos pesados, o
Cmte. Meister acreditava que conseguiríamos evitar o backtrack.
Como prometido, às 22h30 (hora local,
com apenas 10 minutos de atraso) o próprio comandante pousou o avião e
conseguiu bem em cima da pista de táxi ter o avião na velocidade ideal para
livrar rapidamente a pista à esquerda.
Estamos no Senegal...
...nós e nossa preciosa carga.
Na escala prevista de uma hora em Dacar
foram desembarcados apenas os ovos fecundados, enquanto o MD-11F bebia mais
querosene.
Uma olhada rápida para as caixas no
deque superior: lá estavam os mamões que contribuiriam com a balança comercial
brasileira justamente quando, em tempos de crise, nossa agroindústria é um dos
setores que mais está ajudando a economia brasileira.
Nós nos despedimos dos dois pilotos, que
haviam terminado sua jornada de trabalho, na expectativa quanto ao embarque dos
novos tripulantes para o trecho final. Já sabíamos que seriam duas pilotos, do
universo de 600 mulheres (6% do total de pilotos) trabalhando para o Grupo
Lufthansa, que conduziriam o D-ALCC para o hub
da empresa. Apenas para comparação, no Brasil há o total de 3.737 Pilotos de
Linha Aérea operando em todas as empresas, dos quais apenas 29 são mulheres,
cerca de 7,8% (dados da Agência Nacional de Aviação Civil, de 2015).
Duas pilotos da Lufthansa no trecho final de nossa viagem.
A comandante Ingeborg Kelderman e a
primeira-oficial Christina
Gaebel
logo já estavam a bordo e nos apresentamos. A comandante logo nos instruiu
novamente sobre os procedimentos de emergência e também nos convidou para o cockpit.
Decolamos de Dacar às 23h47 (27 minutos
além do horário programado) da mesma pista 36 e deixamos o aeroporto senegalês
para trás decolando com as velocidades 153, 166 e 172 nós (V1, VR, V2). A
previsão era de estarmos após mais seis horas de voo em Frankfurt, cujo fuso
horário era de cinco horas à frente do horário de Brasília, pois os alemães
estavam no horário de verão.
Enquanto voávamos no nível de voo 310, Captain Inge nos contou que voava na
companhia há 12 anos. Já Christina voava como piloto na companhia alemã há 8
anos, após ter sido comissária de bordo antes, também na Lufthansa. Inge foi a
primeira mulher comandante da Lufthansa Cargo, tendo sido promovida em maio de
2011. Sobre voar no Brasil, ela observou que os controladores de voo do sistema
ATC brasileiro têm dificuldade para entender as perguntas em inglês dos pilotos
quando eles (ou elas) questionam algo fora da rotina das comunicações. Algo
que, sem dúvida, precisaria ser melhorado.
Confortáveis poltronas...
...que se transformam em camas. Nada de especial,
se não estivéssemos em um cargueiro.
Apesar de não ter sido ex-comissária
como sua colega, Inge nos deu uma explicação mais completa sobre as poltronas
executivas, reclinando-as por completo e até colocando lençol, manta e
travesseiro para o descanso de seus dois passageiros. Foi lá que pudemos
descansar adequadamente antes da chegada à cidade alemã.
No terminal cargueiro do Aeroporto de Frankfurt.
O pouso no aeroporto de Frankfurt foi na
pista 07 direita, com 4 km de extensão, precisamente às 7h02 – 18 minutos antes
do previsto – e taxiamos até o terminal cargueiro da Lufthansa na área chamada
Cargo City Norte, onde outro MD-11F e um Boeing 777F também embarcavam ou
desembarcavam cargas. As duas pilotos também desembarcaram ali bem como toda a
carga que havíamos acompanhado naquelas 13 horas de voo desde Viracopos.
Inclusive os mamões que iriam fazer o sucesso dos hotéis, restaurantes e lares
europeus.
Missão cumprida: mais uma exportação chega a seu destino!
Show a matéria,raro ver hoje em dias nas revistas especializadas um acompanhamento tão dedicado a carga.
ResponderExcluirParabéns, e que venham outros em breve.