quarta-feira, 15 de março de 2017

EDITORIAL

MALAS DA DISCÓRDIA

(por Solange Galante)

Companhias aéreas brasileiras foram autorizadas pela ANAC a cobrar pelo despacho da bagagem, mas a Justiça, em São paulo, suspendeu em caráter liminar, a medida. E os passageiros comemoraram como nunca, mesmo sabendo que essa liminar pode ser revogada.
O fato é que o Brasil voa na contramão do resto do mundo. Hoje é muito comum que, mundo afora, empresas aéreas cobrem pelo despacho de bagagens, seja qual for seu tamanho e peso e a distância voada. Algumas cobram tão barato o voo em si que se veem no direito de cobrar pelo despacho não só das bagagens no porão mas também pelas bagagens de mão, lugar junto à janelinha, fones de ouvidos, copinho d'água etc. Nos Estados Unidos, bagagens despachadas já são cobradas há anos, mesmo uma malinha pequenininha num voo quase de ponte aérea. Por que, então, aqui causa tanto alvoroço? Simples: porque não temos empresas low fares de fato. Hoje, praticamente todas procuram ser low costs, admitindo isso publicamente ou não. Mas, quanto ao low fares... Tá, existem promoções relâmpago, mas verdadeiras low costs/low fares não vivem só de promoções relâmpago. Exemplo: a irlandesa Ryanair. Você pode até achar o serviço dela uma porcaria, mas paga pouco, só paga pelo que for utilizar, e ela gasta pouco com sua operação.
Com a comida de avião é a mesma coisa: no mundo todo ela é limitada ou inexistente em voos domésticos. Aqui, depois da revolta contra as barrinhas de cereais e amendoinzinhos, sanduíches e comida de fato foram sendo reintroduzidos aqui ou ali, pagos ou de graça. O problema é que o passageiro brasileiro foi mal acostumado. Em tempos de Varig, Vasp, Transbrasil, além das malas serem despachadas de graça e sem limite de tamanho ou peso para a bagagem de mão, comia-se bem, bebia-se vinho e os passageiros ainda tinham como bônus os... amendoins! Hoje, cortando custos, as empresas chegam a deixar os passageiros passando fome mesmo quando o voo atrasa. Para piorar, a chamada democratização do voo levou para bordo pessoas que antes só viajavam de ônibus por muitas horas ou dias seguidos. Essas pessoas estão, em muitos casos, acostumadas a transportar até fogão no transporte terrestre, portanto, no avião, acham que pelo menos têm todo o direito de transportar, e de graça, tudo o que conseguirem. Mudar esses hábitos é que é o difícil.
Por sua vez as companhias aéreas reclamam que são oneradas de todo jeito: impostos, taxas, combustível caros, supostos salários altos (!!!) dos funcionários, cujo treinamento é também oneroso, e por aí vai. Mas... não foi sempre assim no Brasil? Tudo caro (menos o salário dos funcionários: este, se não for baixo demais, alto é que jamais foi!).
O fato é que todos têm seus direitos de reclamar: os passageiros, ao reivindicar serem bem tratados, pelo menos, como já foram antes, comparado aos tempos atuais, e gozando dos prometidos descontos nas passagens para quem não transporta mala no porão – os descontos são o centro da discórdia, pois ninguém acredita nessa promessa. E as companhias aéreas, reivindicam ser menos taxadas em tudo.
Acontece que, no Brasil, aviação já deixou de ser transporte de elite mas continua sendo tratada pelas autoridades como se estivéssemos nos tempos áureos da Panair e da Varig.
Como resolver esse impasse? Que cada um ceda um pouco de sua parte: passageiros, companhias e governo. Os passageiros, que reconheçam que os tempos são outros e que voar de avião, hoje, tem serviço mais enxuto. As companhias, que realmente beneficiem os passageiros com menos bagagem SEM jogar a diferença (pra mais) no colo de quem precisa transportar uma mala por ter filhos pequenos, apetrechos de trabalho etc. E, governo, que reconheça a importância da aviação e a trate como serviço essencial e não luxo para poucos.  Mas é: está, tão difícil resolver essa equação...

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